O [mau] uso aniquilacionista de Salmo 21:9
"Tu os fazes como uma fornalha de fogo, no tempo da tua presença. Jeová na sua ira os engole, e o fogo os devora" (Salmo 21:9, Bíblia Literal de Young)
Que a paz do Senhor Jesus esteja com todos! Hoje vamos analisar um texto frequentemente citado pelos aniquilacionistas para sustentar suas crenças. Eles argumentam que a passagem acima indica que os ímpios não sofrerão eternamente no fogo, sugerindo que a destruição final é o destino deles. Vamos considerar se essa interpretação está correta sempre analisando o texto ponto a ponto para, assim, não tirarmos decisões precipitadas acerca de seu entendimento.
Antes de analisar a passagem em questão, é importante observar com qual texto do Novo Testamento os aniquilacionistas correlacionam o Salmo 21:9. Isso nos ajudará a ter uma compreensão mais clara e abrangente do contexto e das implicações do juízo descrito:
"41 Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade. 42 E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. 43 Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça." Mateus 13: 41-43
Como se pode observar, as passagens apresentam uma certa semelhança, já que ambas abordam a fornalha de fogo após a manifestação do Senhor. O ponto de interesse para os aniquilacionistas é que, além de mencionar a imagem do forno, o Salmo 21 também descreve os ímpios sendo consumidos pelo fogo. Isso leva muitos mortalistas a interpretarem esse salmo como um complemento à passagem de Mateus 13, o que é sem dúvidas uma interpretação interessante.
Profecia x aplicação
É importante entender que nem toda descrição profética em textos poéticos, como os Salmos e Isaías, deve ser aplicada de forma literal ou em todos os seus detalhes. Por exemplo, em Isaías 60:10, 20 e 21, vemos promessas que claramente se cumprem em Apocalipse 21, como a glória eterna da nova Jerusalém: “Nunca mais se porá o teu sol” (Isaías 60:20). Mas o mesmo capítulo de Isaías menciona, no versículo 10, estrangeiros reconstruindo Jerusalém: “E estrangeiros edificarão os teus muros” — algo que não aparece no Apocalipse. Afinal, a nova Jerusalém desce do céu, criada por Deus, e não por mãos humanas, como ensinam textos como Apocalipse 21:2 e Hebreus 11:10. Por isso, é essencial interpretar esses textos com cuidado, distinguindo o que é simbólico do que é literal, sem tentar forçar todos os detalhes poéticos a se encaixarem na descrição final dos eventos.
Até mesmo os salmos messiânicos, como o Salmo 45, não podem ser aplicados totalmente de maneira literal em todos os seus aspectos. Embora uma parte desse salmo seja claramente atribuída a Jesus, conforme Hebreus 1:8-9, que destaca o trono eterno e justo do Messias, há elementos que demandam uma interpretação mais cuidadosa. Por exemplo, a referência ao rei tendo uma esposa (Salmo 45:9) não pode ser entendida literalmente em relação a Cristo. Em vez disso, essa imagem deve ser, no mínimo, alegorizada, representando a Igreja como a noiva de Cristo, conforme Paulo ensina em Efésios 5:25-27.
É um salmo messiânico?
O Salmo 21:9, assim como outros salmos, apresenta imagens que poderiam sugerir uma aplicação futura, algo que é comum em muitos outros. Os salmistas, por exemplo, usavam frequentemente elementos de Êxodo 19, como o fogo e a presença de Deus, para ilustrar a intervenção divina. No Salmo 18, Davi, ao falar do auxílio de Deus, recorre a imagens que, à primeira vista, poderiam ser interpretadas como alusões à vinda de Jesus, mas, na verdade, são apenas metáforas poéticas que expressam a ajuda de Deus nos momentos difíceis, como quando Davi enfrentava a perseguição de Saul. Essa narrativa, com o pano de fundo em Êxodo 19, utiliza o contexto de Deus se revelando no monte Sinai para falar do poder de Deus em agir em favor do Seu servo, sem que isso signifique necessariamente uma referência direta à vinda do Messias. Esse estilo poético, comum na poesia hebraica, é uma maneira de expressar a grandeza e a justiça de Deus, mas sem apontar diretamente para o futuro messiânico.
Por outro lado, embora o Salmo 21 compartilhe o estilo poético do Salmo 18, há elementos que indicam um cumprimento messiânico. A vitória concedida por Deus ao rei (Salmo 21:1-2) e o juízo sobre seus inimigos (Salmo 21:9) antecipam a vitória de Cristo sobre o mal. A referência à longevidade do rei em Salmo 21:4 ("A vida longa lhe concedeste, e o fará viver para sempre") aponta diretamente para o reinado eterno de Cristo, cujo governo jamais terá fim, conforme Isaías 9:7. A imagem da coroa de ouro (Salmo 21:3) e a exaltação divina (Salmo 21:13) refletem a glória eterna de Cristo, sugerindo que, no mínimo, tenha uma aplicação messiânica em última instância.
Todavia, o negócio não é tão fácil de resolver assim. O Salmo 21:4 diz: "Vida ele pediu a ti, e lha deste, sim, longevidade para todo o sempre." A frase "para todo o sempre" relacionado à vida era usada na época para expressar um período longo, mas não necessariamente eterno no sentido literal. Na Bíblia, expressões como essa aparecem em saudações a reis, como em 1 Reis 1:31, Neemias 2:3 e Daniel 3:9, indicando prosperidade contínua. Por isso, embora o versículo celebre a bênção de Deus sobre o rei de Israel, para muitos, não é necessário interpretar esse trecho como uma referência direta ao reino eterno do Messias. Por outro lado, embora expressões como "Viva o rei para sempre" de 1Reis 1:31 possam apresentar similaridades com Salmo 21:4, no primeiro caso trata-se de um desejo, enquanto no último é uma afirmação concreta.
O Salmo 21, portanto, levanta dúvidas quanto a ser uma referência direta ao Messias ou possuir uma aplicação primária a Davi. Aliás, o cântico parece também representar o cumprimento da oração registrada no Salmo 20. Essa conexão entre esses dois cânticos reforçaria a ideia de que o Salmo 21 poderia refletir uma celebração da resposta divina às petições feitas em favor do rei, sem necessariamente implicar uma aplicação exclusivamente messiânica.
No entanto, o que está descrito aqui pode, no mínimo, ser aplicado como um princípio atemporal. Assim como o Salmo 37 reflete a experiência pessoal de Davi — ele viu os ímpios prosperarem como grandes árvores, mas depois desaparecerem (Salmo 37:35-36) — também traz uma promessa que vai além do seu tempo: "os mansos herdarão a terra" (Salmo 37:11). Essa verdade foi confirmada por Jesus em Mateus 5:5, mostrando que as palavras do salmo carregam um significado perpétuo. Da mesma forma, o Salmo 21 pode ser entendido como uma celebração da exaltação do rei de Israel, mas também como uma expressão de princípios universais que apontam para o plano eterno de Deus, que se cumpre plenamente no reino do Messias, se realmente não for uma profecia direta ao Rei Eterno.
A fornalha mais o fogo que consome
Agora vamos para a parte que mais nos interessa, que é fato de o texto falar de fornalha e o fogo que devora ou consome. Para podermos ter uma compreensão mais profunda é bom termos em mente vários elementos, como a manifestação e o fogo que consomem ligado a Deus, pois esses elementos são comuns em várias passagens que falam da vinda do Senhor em juízo, principalmente as claramente messiânicas, como Isaías 66. Veja:
"Pois eis que o SENHOR virá com fogo, e seus carros como um redemoinho, para retribuir sua ira com furor, e sua repreensão com chamas de fogo. Pois com fogo e com Sua espada o Senhor pleiteará com toda carne, e os mortos do Senhor serão muitos." (Isaías 66:15-16)
Como bem mostrado, os mesmos elementos do salmo são vistos no texto acima, como a manifestação de Deus, a ira e as chamas como juízo sobre seus adversários. Vale ressaltar que o próprio Isaías 66:15,16 é aludido a Jesus em 2 Tessalonicenses 1:7. Já a menção do fogo devorar é claramente visto outro texto de Isaías que está relacionado também à vinda de Deus sobre o povo inimigo:
"De repente, num momento, virá do Senhor dos Exércitos o castigo com trovões, e com grande ruído, e com tempestade, e com chamas de fogo devorador." (Isaías 29:6).
Não há dúvidas de que esses textos falam do mesmo acontecimento: a chegada poderosa de Deus para fazer justiça contra os ímpios. A forma como Isaías 66 e Isaías 29 descrevem esse momento se conecta diretamente com o Salmo 21, que também usa a imagem do fogo que devora para falar do juízo de Deus sobre os perversos quando Deus aparecer. O fogo mencionado no Salmo, assim como em Isaías, não é apenas uma figura de linguagem, mas representa o juízo eterno de Deus sobre a humanidade. É uma imagem clara e impactante do dia em que Ele, em Sua justiça, vai lidar de uma vez por todas com aqueles que se rebelam contra Sua autoridade.
Entretanto, quando vamos para Isaías 66: 23 e 24, vemos que no lugar de ser reduzidos às cinzas, esses corpos continuam em chamas por meses, o que é logicamente impossível:
"E será que de uma Lua Nova a outra, e de um sábado a outro, toda carne virá adorar diante de Mim, diz o SENHOR. E sairão, e verão os cadáveres dos homens que transgrediram contra Mim, pois o seu verme não morrerá, e o seu fogo não se apagará; e serão um horror para toda carne." Isaías 66:23-24
Ou seja, embora o fogo consuma ou devore, a ideia básica não é de reduzir a nada. Pelo contrário, a ideia transmitida é de algo que desafia a realidade: as pessoas continuam queimando por meses (luas novas), provando a gravidade do castigo divino. Um caso similar é ocorrido com os filhos de Arão, em que, embora consumidos, seus corpos permaneceram inteiros:
"[1] Nadabe e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu incensário, e puseram neles fogo, e sobre este, incenso, e trouxeram fogo estranho perante a face do Senhor, o que lhes não ordenara. [2] Então, saiu fogo de diante do Senhor e os consumiu; e morreram perante o Senhor. [3] E falou Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor disse: Mostrarei a minha santidade naqueles que se cheguem a mim e serei glorificado diante de todo o povo. Porém Arão se calou. [4] Então, Moisés chamou a Misael e a Elzafã, filhos de Uziel, tio de Arão, e disse-lhes: Chegai, tirai vossos irmãos de diante do santuário, para fora do arraial. [5] Chegaram-se, pois, e os levaram nas suas túnicas para fora do arraial, como Moisés tinha dito." Levítico 10:1-5 ARA
É importante entender que nem sempre a profecia se aplica de maneira literal. Por exemplo, em Isaías 65:22, quando fala de "dias como os dias de uma árvore", a referência à nova terra é uma metáfora para a vida eterna, conforme explicado no Novo Testamento (Mateus 19:29; Apocalipse 21:1-4). Da mesma forma, embora em algumas passagens Deus seja descrito vindo em carros e com espada (Isaías 66:15), a realidade é que Ele virá nas nuvens para julgar o mundo, e Sua palavra será a espada que derrotará o mal (Apocalipse 19:11-16). Por fim, a segunda morte, mencionada em Apocalipse 20:14, não é simplesmente o fim da vida física, mas simboliza a condenação eterna no lago de fogo, onde aqueles que rejeitaram a Deus sofrerão separação eterna d'Ele.
Eu poderia me aprofundar mais sobre Isaías 65 e 66, mas não farei mais aqui por já ter publicações relacionadas abaixo:
O [mau] uso aniquilacionista de Isaías 66:24
A construção da doutrina do inferno no Antigo Testamento
Em resumo, o aniquilacionismo erra ao tentar aplicar o Salmo 21:9 a Mateus 13:41-43, forçando uma interpretação que não leva em conta o contexto original dos textos. Não negamos que o fogo consumirá os ímpios, algo que é confirmado por várias passagens que falam da vinda de Deus, mas em Isaías 66:15-16, 23 e 24, vemos que os corpos dos ímpios continuam queimando por meses, o que desafia nossa compreensão lógica. Esse simbolismo, que retrata a duração do sofrimento, é reinterpretado no Novo Testamento, onde ele se refere ao lago de fogo, a segunda morte, que só Deus pode causar, como nos ensina Mateus 10:28. Ao não considerar o contexto geral das Escrituras, a interpretação aniquilacionista acaba se afastando da mensagem completa da Bíblia. Fiquem com Deus!
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