A construção da doutrina do inferno no Antigo Testamento
A paz do Senhor! Hoje, abordarei a construção da doutrina do inferno de fogo no Antigo Testamento. Embora essa doutrina seja abordada principalmente no Novo Testamento, veremos como a Bíblia Hebraica fornece referências e alusões que foram exploradas por Jesus e pelos apóstolos. A partir disso, apresentarei a linha de raciocínio que busca demonstrar a revelação dessa crença já na Bíblia dos judeus.
Profecia x aplicação
Primeiramente, creio que o texto inicial para nos aprofundarmos no assunto seja o seguinte:
Isaías 66:15-16, 23-24 NAA
"[15] Porque eis que o Senhor virá em fogo, e os seus carros de guerra, como uma tempestade, para tornar a sua ira em furor e a sua repreensão em chamas de fogo. [16] Porque com fogo e com a sua espada o Senhor entrará em juízo com toda a humanidade; e serão muitos os mortos da parte do Senhor.
[23] De uma Festa da Lua Nova à outra e de um sábado a outro, toda a humanidade virá adorar diante de mim”, diz o Senhor. [24] “Eles sairão e verão os cadáveres daqueles que se rebelaram contra mim; porque o seu verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e eles serão um horror para toda a humanidade.”
A frase destacada é idêntica à citação feita por Jesus em Marcos 9:44-48 e Mateus 18:8-9. Esse texto está inserido no contexto do fim dos tempos. Entretanto, o leitor pode achar estranho o contexto de Isaías em relação à mensagem encontrada no Novo Testamento. Em Isaías, Deus vem com espada e carruagem, destruindo todos os inimigos, que são deixados fora de Jerusalém. No Novo Testamento, especialmente em Mateus 25, Jesus vem sobre as nuvens, reúne todos os povos, julga-os e os destina ao fogo que não se apaga. Portanto, a aplicação não é idêntica à profecia de Isaías. A ênfase de Jesus, assim, está no fogo que não se apaga.
Essa ênfase em descrições específicas é comum nas aplicações neotestamentárias. Vejamos outro exemplo com base em Isaías:
Isaías 60:11 ARA
"As tuas portas estarão abertas de contínuo; nem de dia nem de noite se fecharão, para que te sejam trazidas riquezas das nações, e, conduzidos com elas, os seus reis."
Isaías 60:19-20 ARA
"Nunca mais te servirá o sol para luz do dia, nem com o seu resplendor a lua te alumiará; mas o Senhor será a tua luz perpétua, e o teu Deus, a tua glória. Nunca mais se porá o teu sol, nem a tua lua minguará, porque o Senhor será a tua luz perpétua, e os dias do teu luto findarão."
Os textos mencionados acima se encontram em Apocalipse 21:21:23-25. Todavia, o texto de Isaías 60 descreve a Jerusalém judaica e restaurada, que pode ter um cumprimento, pelo menos em certos aspectos, durante o milênio, afinal no próprio capítulo aparece elementos que não tem correspondência no contexto da nova criação, como:
Isaías 60:10 ARA
"Estrangeiros edificarão os teus muros, e os seus reis te servirão; porque no meu furor te castiguei, mas na minha graça tive misericórdia de ti."
No entanto, a aplicação feita por João em Apocalipse 21 descreve a Santa Jerusalém pós-juízo, com características bem diferentes da cidade descrita por Isaías, sendo que seus muros serão construídos pelo próprio Deus (Apocalipse 21:2), não por estrangeiros. Essa diferença ilustra como as imagens e descrições do Antigo Testamento são recontextualizadas e ampliadas no Novo Testamento para refletir a plenitude da revelação e as novas dimensões do cumprimento das promessas de Deus.
Voltando a Isaías 66, é importante notar que a Bíblia, em outros contextos, descreve a espada do Senhor como Sua Palavra (Is 49:2), seus carros de guerra como as nuvens (Sl 104:3), que é o meio pelo qual Jesus virá (Mt 24:30). Já pessoas que estão em situação de vergonha e/ou opróbrio são frequentemente descritas como mortas, que corresponde ao próprio lago de fogo, que é um lugar de total desonra e a própria segunda morte (Apocalipse 21:8):
Salmos 31:11-12 ARC
[11] “Por causa de todos os meus inimigos, fui o opróbrio dos meus vizinhos e um horror para os meus conhecidos; os que me viam na rua fugiam de mim. [12] Estou esquecido no coração deles, como um morto; sou como um vaso quebrado.”
Salmos 88:2-5 TB
[2] “Chegue à tua presença a minha oração; inclina os teus ouvidos ao meu clamor. [3] Pois a minha alma está cheia de sofrimentos, e a minha vida se aproxima do Sheol. [4] Sou contado com os que baixam à cova; sou como homem sem socorro, [5] atirado entre os mortos; como os que, feridos de morte, jazem na sepultura, dos quais não te lembras mais, e que são desamparados das tuas mãos.”
Assim, examinando a profecia no No Antigo Testamento, vemos que muitas vezes não é idêntica à sua realização no no Novo. Outro relato em Isaías será exposto abaixo para podermos nos aprofundar ainda mais no assunto:
Isaías 65:17-22 ARA
"[17] Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas. [18] Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio; porque eis que crio para Jerusalém alegria e para o seu povo, regozijo. [19] E exultarei por causa de Jerusalém e me alegrarei no meu povo, e nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor. [20] Não haverá mais nela criança para viver poucos dias, nem velho que não cumpra os seus; porque morrer aos cem anos é morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anos será amaldiçoado. [21] Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. [22] Não edificarão para que outros habitem; não plantarão para que outros comam; porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos."
Muitos elementos de Isaías 65:17-22 são aplicados no livro de Apocalipse, especialmente no contexto do novo céu e nova terra. Em Apocalipse 21:1, vemos a referência ao "novo céu e nova terra", que ecoa diretamente o versículo 17 de Isaías: "Pois eis que eu crio novos céus e nova terra". Da mesma forma, em Apocalipse 21:4, "não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor", que reflete a promessa de Isaías 65:19 de que "nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor". No entanto, nem tudo é aplicado literalmente, como a ideia de viver cem anos ou ter dias como as árvores, mencionada em Isaías 65:20-22. Essas imagens, no mínimo, podem ser vistas como metáforas para a vida eterna, pois em Apocalipse 21:4, é afirmado que "não haverá mais morte", confirmando que no novo céu e nova terra, a morte será extinta. Ou seja, muitos elementos que correspondem a ideais presentes de prosperidade e longevidade são utilizados para ilustrar uma realidade futura mais ampla, onde a plenitude de Deus será vivida por toda a eternidade, sem dor, sofrimento ou morte.
O horror, a vergonha e a aplicação
Da mesma forma como as pessoas que viverão como uma árvore é ampliado trazendo a conotação de vida eterna, Isaías 66:23-24, que descreve cadáveres queimando por semanas e meses, o que seria logicamente impossível, pode simbolizar eternidade quando comparado com as aplicações feitas por Jesus:
Marcos 9:47-48 TB
[47] “Se o teu olho te servir de pedra de tropeço, arranca-o; melhor é entrares no reino de Deus com um só dos teus olhos do que, tendo dois, seres lançado na Geena, [48] onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga.”
Mateus 18:8-9 TB
[8] “Se a tua mão ou o teu pé te serve de pedra de tropeço, corta-o e lança-o de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno. [9] Se o teu olho te serve de pedra de tropeço, arranca-o e lança-o de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos do que, tendo dois, seres lançado na Geena de fogo.”
A expressão "de sábado em sábado, e "de lua nova em lua nova" transmite a ideia de algo contínuo e incessante, refletindo uma realidade perpétua. Da mesma forma, o horror descrito no contexto é tão contínuo quanto a adoração, evidenciando um paralelo entre a constância desses dois aspectos.
Além do fogo que dura meses (luas novas) e semanas (sábados), o termo hebraico para horror só aparece novamente em Daniel, que também aborda o fim dos tempos:
Daniel 12:2 NAA
[2] “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, outros para vergonha e horror eterno.”
É válido questionar se o horror descrito por Daniel é o mesmo que o de Isaías, que fala de corpos pegando fogo. O contexto pós-juízo em ambos os textos já é um forte indício. Em Isaías, vemos corpos sendo expostos como abominação de mês em mês e de semana em semana, enquanto Daniel amplia essa imagem para a eternidade. Ademais, o próprio Daniel fala de vida eterna, que Isaías traz figuradamente como ter os dias de uma árvore. Assim, Daniel não apenas reforça o conceito de horror, mas o estende pela eternidade.
Sobre a vergonha eterna (olam cherpah) mencionada por Daniel, a melhor forma de entendê-la, é justamente à luz de Jeremias 23:40, já que as mesmas palavras são usadas:
Jeremias 23:39-40
[39] "Por isso, levantar-vos-ei e vos arrojarei da minha presença, a vós outros e à cidade que vos dei e a vossos pais.
[40] E porei sobre vós opróbrio eterno (olam cherpah) e vergonha eterna (olam kelimah), que não será esquecida."
Há uma questão na tradução. O termo traduzido como "opróbrio" corresponde ao hebraico "cherpah", é vertido por "vergonha"; já termo traduzido por vergonha acima é outro. Isso, no entanto, não compromete a interpretação da passagem. "Cherpah" (חרפה) e "kelimah" (כלימה) são termos hebraicos que se referem à vergonha, humilhação e insulto. Embora semelhantes, "cherpah" enfatiza a perda de dignidade, enquanto "kelimah" destaca o ato de ofender.
No texto de Jeremias 23, opróbrio ou vergonha é tido como um peso sobre a pessoa. Um exemplo claro desse peso pode ser encontrado na história de Tamar, filha de Davi. Ao ser ameaçada de violência por seu irmão, ela pergunta: "Para onde levarei a minha vergonha?" (2 Samuel 13:13). Tamar sabia claramente do peso da desonra que a acompanharia diante da sociedade por toda a vida.
Em Jeremias 23:39, Deus declara que lançaria o povo "para longe de minha face" e causaria a desolação de Jerusalém. A menção de Jerusalém indica que a punição não se restringiria aos falsos profetas, mas afetaria todo o povo de Israel. Jerusalém, sendo o centro espiritual e político de Israel, simboliza o afastamento de Deus e a vergonha coletiva que cairia sobre a nação. Essa ideia é reforçada em Jeremias 7:15, onde Deus também declara que lançaria Israel "para longe de minha face", assim como fez com a nação de Efraim. Ambos os versículos apontam para um julgamento coletivo, que envolve toda a nação, não apenas os líderes ou falsos profetas.
Assim, Deus promete ao povo um opróbrio eterno, uma desonra que se tornou uma mancha na história de Israel. Todos sabem do que aconteceu com os judeus naquele tempo, quando sua terra foi devastada e o povo levado cativo para um território inimigo. Esse fato é uma desonra, uma marca que nunca será esquecida na história do povo hebreu.
Ao citar Daniel 12:2, o anjo certamente sabia que Daniel, sendo um leitor de Jeremias (Daniel 9:1), entenderia perfeitamente o contexto e a gravidade da situação. Daniel também aplicaria conceitos já conhecidos de outros profetas, como a grande longevidade de Isaías 66:22, que se refere à vida eterna (já que a morte será destruída - Isaías 25:8), e a abominação dos corpos que estão todos os meses em chamas, que representam o horror eterno. Para melhor esclarecer, assim como Israel carrega a desonra de seus eventos históricos, os ímpios também carregarão o peso da vergonha eterna ao saberem que estarão para sempre afastados do Reino.
Textos como Isaías 66:24 e Apocalipse 14:11 ilustram de maneira vívida a desonra que permanece para sempre. Em Isaías 66:24, a visão é de um cenário onde os povos, de mês em mês, verão a desgraça dos ímpios, um indicativo de lembrança constante da sua rebelião e do castigo que perpetua por toda a existência. Já em Apocalipse 14:11, a ênfase recai sobre o tormento eterno, descrito como um fogo que sobe para sempre, representando não apenas o sofrimento contínuo, mas também a eterna lembrança do juízo de Deus sobre aqueles que escolheram rejeitá-Lo. Ambos os textos, portanto, pintam uma imagem de condenação sem fim, onde a vergonha e o sofrimento serão inesquecíveis por toda a eternidade.
No Novo Testamento, o trecho que traz mais claramente a imagem de vergonha ou reprovação, assim como o horror de corpos no fogo, é Mateus 13:41-43. Jesus diz: "O Filho do Homem enviará os seus anjos, e eles recolherão do seu reino todos os que causam escândalo e os que praticam a iniquidade, e os lançarão na fornalha de fogo; ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!" Nesse trecho, vemos uma descrição vívida dos ímpios sendo lançados na "fornalha de fogo", uma imagem de sofrimento eterno que remete diretamente ao conceito de horror e reprovação. O versículo 43, que fala sobre os justos "resplandecerem como o sol", é uma clara alusão a Daniel 12:3, que diz: "Os sábios resplandecerão como o brilho do firmamento, e os que a muitos conduziram à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente." Assim, esse texto de Mateus não só expande a imagem de sofrimento eterno, mas também apresenta a separação dos ímpios do reino de Deus, uma ideia que também aparece em Jeremias, onde a separação de Israel de Deus é descrita como uma consequência do pecado e da desobediência. Portanto, em Mateus, os ímpios são afastados não apenas do reino, mas da própria presença divina, reforçando o conceito de um juízo final definitivo.
O lugar de fogo eterno que foi preparado
Além de Isaías 66:14, o conceito de fogo eterno é também tirado de Isaías 30 e 33. Começaremos pelo último:
Isaías 33:14 ARA
[14] Os pecadores em Sião se assombram, o tremor se apodera dos ímpios; e eles perguntam: Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas eternas?
Nele o próprio Deus é denominado de chamas eternas. Não é preciso falar que tal expressão lembra muito Mateus 25:41. O fogo do inferno é eterno porque procede do próprio Deus, a fonte. Curiosamente o rio de fogo de Daniel 7, que obviamente é o mesmo lago de fogo de Apocalipse 20, também procede do próprio Deus. Este capítulo de Daniel, principalmente os versículos 9 e 10, tem os mesmos eventos de Apocalipse 20, como os livros abertos, Deus sentado no trono e o juízo.
Embora o texto de Daniel 7 contenha vários elementos alegóricos, como os quatro animais e os chifres, nem tudo nas visões é meramente simbólico. Por exemplo, o trono e o rio de fogo são confirmados em outras passagens, pois é notório vermos o fogo do juízo proceder da parte de Deus como o caso de Sodoma e Gomorra (Genesis 19:24). Além disso, quando Deus se manifestou a Israel em Êxodo 19, Ele fez isso em meio ao fogo, algo similar ao texto de Daniel, em que há fogo no próprio trono.
Mas vamos retornar a um dos primeiros textos citados, que declara que o "Senhor virá para tornar a Sua ira em furor e a Sua repreensão em chamas de fogo" (Isaías 66:15). Um exemplo similar é encontrado com o povo de Israel, em Números 11:1-3, em que "queixou-se o povo de sua sorte aos ouvidos do Senhor; ouvindo-o o Senhor, acendeu-se-lhe a ira, e fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu as extremidades do arraial". Em suma, é importante notar que, em muitos contextos, a ira de Deus manifestada como fogo é um símbolo de juízo, que pode ocorrer por diversos meios como fome, espada ou catástrofes (Deuteronômio 32:22-26). No entanto, há exemplos literais, como o incêndio mencionado em Números 11 e a morte dos filhos de Arão (Levítico 10:1-3), que são semelhantes à descrição de Isaías 66.
Um texto relevante para essa reflexão é o Salmo 18:8-13, onde a linguagem sobre Deus vindo em fogo para socorrer o salmista é claramente poética. Contudo, o Salmo 18, que é claramente alegórico, retoma elementos do episódio literal descrito em Êxodo 19:16-20, em que "monte Sinai, todo ele, fumegava, porque o SENHOR tinha descido a ele em fogo; do monte subiu o fumaça, como o fumaça de uma fornalha, e o monte tremia grandemente". Êxodo praticamente fala do mesmo assunto de Isaías 66:15: Deus se manifestando e ao referência ao fogo; e todo o Novo Testamento reforça essa manifestação literalmente, inclusive fazendo alusão a Isaías 66 em 2 Tessalonicenses 1:7-9.
Em resumo, a determinação de se o fogo será literal ou alegórico depende de seu cumprimento. Por exemplo, em Jeremias 7:20 (e também em 2 Crônicas 34:24), Deus declara que Sua ira e furor seriam derramados sobre o lugar, homens, animais, árvores e frutos da terra; e esse fogo aceso não se apagará. E neste caso é símbolo de juízo, mas o exemplo de Números 11:1-3 mostra que um cumprimento pode também ser literal. De modo geral, o fogo que não se apaga mencionado na Bíblia Hebraica, e frequentemente mencionado no Novo Testamento, como em Mateus 3:12, é destacado como algo aceso pelo próprio Deus. O que é aceso por Deus, ninguém pode apagar!
E, retomando a Isaías 33:14, essa interpretação é evidenciada no Targum Jonathan, documento judaico datado do segundo ou terceiro século:
"Os pecadores em Sião estão com medo; o terror tomou conta dos ímpios, que, enquanto cometiam roubos em seus caminhos, diziam: ‘Quem de nós habitará em Sião, onde o brilho de Sua Shekinah é como fogo devorador? Quem de nós peregrinará em Jerusalém, onde os ímpios serão julgados e entregues ao inferno/Geena, ao fogo eterno?’" (Isaías 33:14, Targum Jonathan)
Já o texto de Isaías 30, diz:
Isaías 30:33 (Young's Literal Translation):
"Porque Tophet está preparado desde o tempo antigo; sim, para o rei é preparado; ele o fez profundo e largo; a pilha dele é fogo e muita madeira; o sopro do Senhor, como um torrente de enxofre, o acende."
Não há dúvida de que qualquer leitor que se depare com essas palavras fará a associação imediata com Mateus 25:41, que diz: "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos." Isso não é por acaso. O termo "Tophet", utilizado aqui, também aparece em Jeremias 7:31, que declara: "Eles edificaram os altos de Tofete, que está no vale do filho de Hinom, para queimarem seus filhos e suas filhas no fogo, o que não ordenei, nem me passou pela mente." Esse vale, nos tempos de Jesus, tornou-se um lixão, e é justamente daí que Jesus extrai a expressão "Geena" (Mateus 5:22; Marcos 9:43, 45, 47), que é a forma grega de se referir a esse local. Jesus usava esse vale como um símbolo do fogo eterno, associando-o ao juízo final e à punição dos ímpios. O Targum Jonathan novamente mostra a visão judaica de sua época em relação a esse texto:
"Pois o inferno/Geena está preparado desde a eternidade por causa dos seus pecados; sim, o Rei eterno o preparou profundo e amplo: uma pira ardente como se houvesse abundância de combustível queimando nele: a PALAVRA do Senhor, como uma torrente avassaladora de enxofre, o acenderá." (Isaías 30:33, Targum Jonathan)
Concluímos, portanto, que a doutrina do inferno de fogo, embora mais explicitada no Novo Testamento, possui raízes e alusões no Antigo Testamento que são recontextualizadas à medida que a revelação de Deus se amplia. Passagens como Isaías 66 e Isaías 65, por exemplo, apresentam imagens que, ao serem aplicadas no Novo Testamento, ganham novos significados à luz da plenitude da obra de Cristo. O fogo que não se apaga, como descrito por Jesus em Marcos 9 e Mateus 18, é uma expressão que remete ao juízo eterno, cuja permanência simboliza a separação definitiva entre os justos e os ímpios. Além disso, a conexão entre a vergonha eterna em Daniel e as referências extraídas do Antigo Testamento reforçam a ideia de um estado perpétuo de desgraça para os ímpios. Dessa forma, ao longo das Escrituras, vemos uma progressão da revelação de Deus sobre o destino final da humanidade, sendo que o Antigo Testamento lança as bases para a compreensão mais profunda da condenação eterna encontrada no Novo Testamento.
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