Os aniquilacionistas e a morte eterna em Mateus 25:46


Juízo Final


A paz do Senhor! Depois de abandonarem a ideia de que o termo "eterno" se refere apenas a um longo período de tempo, uma vez que ele também é aplicado paralelamente à vida, muitos aniquilacionistas passaram a adotar uma nova interpretação criativa para explicar a passagem em questão. Agora, admitem que o texto realmente se refere a um "castigo eterno", como está escrito, mas argumentam que esse castigo é eterno apenas em suas consequências. Para sustentar essa ideia, afirmam que o versículo estabelece um contraste em que a vida é o oposto do castigo, que eles interpretam como sinônimo de morte. Chegam até a advogar que, no original, o termo grego para “castigo” era entendido pelos antigos como morte. Assim, segundo essa interpretação, o texto seria entendido da seguinte forma:

"E irão estes para o castigo [morte] eterno(a), porém os justos, para a vida eterna."

Análise da suposta antítese 

Essa interpretação de Mateus 25:46, que defende ser o versículo uma antítese onde castigo é equivalente à morte, tem se tornado cada vez mais popular. Aqueles que defendem essa visão utilizam diversos exemplos de contrastes entre vida e morte, como:

"Quem obedece aos mandamentos preserva a sua vida, mas quem despreza os seus caminhos morrerá" (Provérbios 19:16)
"Quem permanece na justiça viverá, mas quem sai em busca do mal corre para a morte" (Provérbios 11:19)
"Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis" (Romanos 8:13).

No entanto, afirmar que Mateus 25:46 segue a mesma linha de pensamento é, no mínimo, uma simplificação que não faz justiça ao contexto e ao significado correto do texto.

 A vida eterna, frequentemente mencionada em paralelo com outros conceitos, não necessariamente implica em uma simples antítese. Por exemplo, ela está em paralelo com a vergonha e horror (Dn 12:2), com o próprio juízo (Jo 5:29) e até mesmo com a própria ira e indignação de Deus (Rm 2:7,8). Ninguém afirmará que tais termos em si trazem a conotação de morte. Você pode até sugerir/inferir que esses termos levem a morte do ímpio, mas eles não significam necessariamente.

O caso de Daniel 12:2 merece atenção especial. Os aniquilacionistas frequentemente associam o horror descrito neste versículo ao que é retratado em Isaías 66:24, mas este último texto é claramente simbólico. A vergonha ou desonra, por outro lado, é mais bem compreendida à luz de Jeremias 23:40, que faz referência a uma mancha na história de Israel (que é replicada novamente no futuro dos ímpios), não à morte. Além disso, é importante observar que o texto de Daniel 12:2-3 é citado em Mateus 13:41-43, onde também se menciona o resplendor dos justos, estabelecendo uma conexão entre os dois. Em termos de comparação, a vergonha e o horror, colocados em contraste com a vida, não indicam a morte, mas sim a exclusão do reino, resultando na condenação à fornalha de fogo, onde haverá choro e ranger de dentes.

Indo direto ao ponto, o que destrói de vez essa suposta antítese é o contraste claro entre o Reino e o "estar fora" dele. Assim como em Mateus 25:34 e 41, onde o Reino é contraposto ao fogo eterno, Lucas 13:28 oferece o exemplo perfeito: enquanto os justos estão no Reino de Deus, os ímpios são lançados fora, onde há choro e ranger de dentes. Seguindo essa lógica, se o castigo deve obrigatoriamente ser o oposto de vida, já que ambos estão em contraste, então o oposto do Reino seria o “não-Reino”. Mas será que o “fora” do Reino é um lugar onde Deus não reina? Ou seria o Reino apenas uma forma de se referir ao mundo restaurado? Eu fico com esta opção!

"Ali haverá choro e ranger de dentes, quando vocês virem Abraão, Isaque, Jacó e todos os profetas no Reino de Deus, mas vocês lançados fora." Lucas 13:28 

Alguns podem tentar argumentar que tanto o “lançamento” quanto o “estar fora do Reino” são simbólicos. No entanto, a Bíblia é clara ao afirmar que esse lançamento é uma ação literal, realizada pelos anjos (Mateus 13:49-50). Essa descrição concreta desmonta qualquer tentativa de tornar o contraste meramente figurativo, deixando evidente que o "fora" do Reino é um lugar real e terrível.

O texto não pode ser visto apenas como um contraste entre vida e morte, pois as próprias Escrituras mostram que há consciência — um sinal claro de vida — no castigo. A besta e o falso profeta, por exemplo, são lançados vivos no lago de fogo e, mil anos depois, continuam conscientes de sua condenação (Apocalipse 19:20; 20:10). Essa ideia de consciência no castigo é reforçada em Mateus 8:12, onde também encontramos a noção de sofrimento consciente fora do Reino de Deus:

"Eu vos digo que muitos virão do oriente e do ocidente, e se assentarão com Abraão, Isaac e Jacó, no reino dos céus; mas os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes" (Mateus 8:11-12).

 Este último texto é crucial para aprofundarmos nosso entendimento sobre o castigo eterno, como será mostrado mais adiante neste estudo.

Significado do termo segundo especialistas?

Para esclarecer, é útil considerar o significado do termo grego "kolasis" e suas possíveis traduções conforme o dicionário Strong:

"Kolasis: castigo, punição, tormento, talvez com a ideia de privação".

O renomado erudito Bill Mounce 
também fornece uma definição semelhante:

"Kolasis: punição, castigo (Mt 25:46); inquietação dolorosa, tormento (1 João 4:18)".

É importante observar que a pena de morte pode ser considerada um tipo de castigo, assim como ser lançado em um local de lamento e tortura, ou mesmo sofrer açoitadas ou multas. O contexto é fundamental para determinar o sentido específico do termo. Em I Esdras, na Septuaginta, por exemplo, o radical do termo é usado para descrever qualquer tipo de punição:

"E todo aquele que transgredir a lei do teu Deus e do rei será castigado (kolasthísontai) diligentemente, seja com a morte, outra pena, multa em dinheiro ou prisão." (I Esdras 8:24, LXX).

Contexto bíblico: ser destinado a um lugar de sofrimento 

O termo "kolasis" é pouco utilizado no Novo Testamento, aparecendo apenas nos evangelhos de Mateus e em um das epístolas de João. No entanto, encontramos termos relacionados, como é o caso de "kolazomenous". Vamos examinar o uso de Pedro na seguinte passagem:

“[4] Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o Juízo; [5] e não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, pregoeiro da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios; [6] e condenou à subversão as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinza e pondo-as como exemplo aos que vivessem impiamente; [7] e livrou o justo Ló, enfadado da vida dissoluta dos homens abomináveis [8] (porque este justo, habitando entre eles, afligia todos os dias a sua alma justa, pelo que via e ouvia sobre as suas obras injustas). [9] Assim [conclusão], sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos e reservar os injustos para o Dia do Juízo, sob castigo (kolazomenous) [10] principalmente aqueles que, segundo a carne, andam em concupiscências de imundícia e desprezam as dominações. Atrevidos, obstinados, não receiam blasfemar das autoridades;” (2 Pedro 2:4-10 - ARC)

Observe que os termos destacados ajudam a compreender o contexto. A conjunção “assim” introduz uma conclusão baseada no que foi previamente exposto. Quando Pedro menciona que Deus sabe livrar os piedosos, ele se refere claramente ao livramento de Ló (v. 5). Da mesma forma, ao afirmar que Deus sabe reservar os injustos para o Dia do Juízo sob castigo, ele faz uma analogia principalmente com o destino dos anjos caídos, usando justamente a mesma linguagem e atribuindo a expressão "kolazomenous" como conclusão. Ou seja, Pedro entendia o aprisionamento dos anjos como um tipo de castigo. Um ponto a ser destacado é o versículo 10, que inclui os desobedientes no castigo que será futuro, e o versículo 17 esclarece o tipo de castigo que os aguarda:

"Esses tais são como fonte sem água, como névoas impelidas por temporal. Para eles está reservada a negridão das trevas;” (
2 Pedro 2:17 -ARA)

O livro de Judas apresenta um paralelismo semelhante:

“[12] Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destas desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas; [13] ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido reservada a negridão das trevas, para sempre.” (
Judas 1:12-13)

Esses textos refutam duas argumentações aniquilacionistas. A primeira é a afirmação de que “kolasis” era culturalmente entendido como "morte". A segunda é que, na mentalidade dos discípulos e de Jesus, o castigo eterno seria sinônimo de morte eterna, embora pudesse ser entendido como separação eterna, pois a exclusão do reino do Messias também é um tipo, ou seja, a segunda morte (Apocalipse 20:14). O que os discípulos acreditavam é que, assim como os anjos estão reservados em cárceres até o dia do julgamento, os ímpios também têm uma cadeia reservada para uma pena de duração infinita. Isso é evidente pelo fato de praticamente as mesmas palavras serem usadas nos versículo 4, 9 e 17 do segundo capítulo da segunda epístola de Pedro, além de ser corroborado com Judas 13. 

A palavra “trevas” é utilizada para descrever um cárcere (Isaías 42:7), um lugar de sofrimento (Isaías 8:22), e também é associada ao inferno, como é o caso de Mateus 8:11,12, o qual eu mencionei acima.

Em seu comentário sobre a epístola de Judas, o renomado  teólogo Albert Barnes diz:

"Para quem a névoa das trevas está reservada para sempre - A palavra traduzida como 'névoa' aqui (ζόφος zophos) significa propriamente almíscar, escuridão espessa, escuridão (veja 2 Pedro 2:4 ); e a frase 'névoa de escuridão' foi projetada para denotar escuridão 'intensa', ou a escuridão mais densa. Refere-se, sem dúvida, ao local do castigo futuro, que muitas vezes é representado como um local de intensa escuridão. Veja as notas em Mateus 8:12 . Quando se diz que isto está 'reservado' para eles, significa que está preparado para eles, ou é mantido em estado de prontidão para recebê-los. É como uma prisão ou penitenciária construída na expectativa de que haverá criminosos e na expectativa de que haverá necessidade disso. Assim, Deus construiu a grande prisão do universo, o mundo onde os ímpios habitarão, com o conhecimento de que haveria ocasião para isso; e assim ele o mantém de geração em geração para que esteja pronto para receber os ímpios quando a sentença de condenação for proferida sobre eles. Compare Mateus 25:41 . A palavra 'para sempre' é uma palavra que denota adequadamente a eternidade (εἰς αἰώνα eis aiōna) e é uma palavra que não poderia ter sido usada se significasse que eles não sofreriam para sempre. Compare as notas em Mateus 25:46."

Se você quer se aprofundar mais, aproveita e pegue todos os textos de Mateus que falam do pós-juízo claramente e verifique a ideia transmitida. Todos falarão do castigo dos ímpios como ser destinado a um lugar separado onde haverá choro e ranger de dentes (Mt 8:12, 13:41-43, 13:49 e 50). Até o contexto imediato aponta para isso, como é o caso das parábola dos servo inútil (Mt 25:30), o qual também teve como castigo o lançamento nas trevas.

O cristianismo dos primeiros séculos e o castigo eterno

 Certa vez, vi em um canal do qual o dono é ferrenho defensor do aniquilacionismo que quando uma pessoa no contexto histórico dos tempos apostólicos ouvia falar em "kolasis", já tinha em mente o conceito de morte. Estarei publicando algumas citações de pessoas que viveram no mesmo contexto histórico dos apóstolos, inclusive foram seus discípulos ou discípulos de seus alunos.
A primeira citação está na obra "O Martírio de Policarpo", que é datada do início do século 2. Para quem não sabe, Policarpo foi discípulo do próprio apóstolo João. Veremos como este homem de Deus interpretava a punição eterna:

"Em seguida, o procônsul ameaçou queimá-lo vivo. Policarpo respondeu: “Você me ameaça com fogo que queima durante um momento e logo se apaga. Você não conhece o fogo vindouro do julgamento e castigo eterno (αἰωνίου κολάσεως) reservado para os ímpios. Por que está se delongando? Faça o que lhe agradar”. (Martírio de Policarpo, capítulo XI)
A obra pode ser vista no original AQUI

Acima, é notório a distinção que Policarpo faz de sua punição (temporária) com a do juízo vindouro (eterna). Até a perspectiva moderna dos aniquilacionistas sobre o conceito de o fogo ser eterno em consequências e não em duração é algo completamente distante da mentalidade de Policarpo.

A "Primeira Apologia de Justino" (séc. II) também é imprescindível, pois, assim como a obra anterior, mostra claramente a visão cristã dos primeiros séculos e o entendimento do verbete. Justino escreveu a "Primeira Apologia" para defender os cristãos contra acusações injustas e perseguições. Ele buscava explicar a fé cristã e refutar os mal-entendidos e as calúnias que eram comuns naquela época. Observemos:

"Pois entre nós o príncipe dos espíritos malignos é chamado de serpente, e de Satanás, e de diabo, como você pode aprender examinando nossos escritos. E que ele seria enviado ao fogo com seu exército e os homens que o seguem, e seria punido (κολασθησομένους) por período interminável, Cristo predisse". (Cap 28).

O termo grego em destaque faz parte da mesma raiz grega de "kolasis", que é "kolazo". Não é obrigado ser um gênio pra notar que o comentário de Justino é feito em cima do texto de Mateus 25:46 e Apocalipse 20:10. Talvez aqueles que criticam a tradução da ACF em Mateus 25:46 ("tormento eterno") deveriam repensar, não é mesmo? 
Mas se você acredita que isso é insuficiente, veja a mesma frase de Jesus sendo usada por Justino:

  "E Platão, da mesma maneira, costumava dizer que Radamanto e Minos puniriam os ímpios que vieram antes deles; e dizemos que a mesma coisa será feita, mas pelas mãos de Cristo, e sobre os iníquos nos mesmos corpos unidos novamente aos seus espíritos que agora sofrerão o castigo eterno (κόλασις αἰωνία), e não apenas, como disse Platão, por um período de mil anos. E se alguém disser que isso é incrível ou impossível, este nosso erro é algo que diz respeito apenas a nós mesmos, e a mais nenhuma outra pessoa, desde que você não possa nos condenar por causar qualquer dano".  (Cap. 8)

Justino Mártir, ao mencionar o mito de Er, contrasta a visão platônica de punições temporárias de mil anos com a doutrina cristã do juízo eterno. Enquanto Platão descreve um ciclo de punições e reencarnações, Justino defende que o castigo para os ímpios será eterno, realizado por Cristo, sem possibilidade de fim ou renovação, refletindo a gravidade do juízo divino. Assim, ele destaca que, ao contrário da ideia de Platão, a punição cristã é definitiva e perpétua.

É importante frisar que essa obra de Justino foi endereçada para pagãos. Portanto, ele jamais iria criar um conceito desconhecido, já que, se esse for o caso, os destinatários não entenderiam.
A obra de Justino pode ser encontrada no original AQUI e AQUI.

Logo, ao compararmos os usos de palavras relacionadas ao radical "kolazo", os textos que abordam o pós-juízo e até mesmo a mentalidade do cristianismo primitivo, a conclusão que chegamos é a que sempre tivemos: que o castigo eterno é simplesmente ser destinado para um lugar de sofrimento sem fim. Certos argumentos são até criativos, como é o caso do abordado sobre o aniquilacionismo nesta publicação, mas não corresponde à realidade das Escrituras. Fiquem com Deus!



Comentários

  1. Cristão esotérico, deturpando uma arqueologia que não lhe pertence.

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    1. Arrependa-se enquanto há tempo para que as palavras acima não se cumpram em sua vida.

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