Salmos: a paixão aniquilacionista

 


Que a paz do Senhor esteja com todos! 

Nesta publicação, eu me dedicarei a uma análise mais aprofundada dos Salmos, destacando os erros e distorções que nossos amigos aniquilacionistas frequentemente cometem ao interpretar essas passagens. É impressionante – e ao mesmo tempo preocupante – como alguns textos são "arrancados" de seu contexto original e forçadamente aplicados a eventos escatológicos, numa tentativa de validar ideias que os Salmos, em sua mensagem genuína, jamais sustentam.

Primeiramente, é importante destacar que não negamos a existência de salmos messiânicos. Textos como Salmos 2, 16, 45 e 110 são claros em apontar para a pessoa de Jesus Cristo, sendo amplamente citados no Novo Testamento como referência ao Senhor. Por exemplo:

  • Salmo 2:7 ("Tu és meu Filho, eu hoje te gerei") é citado em Hebreus 1:5 e aplicado diretamente a Cristo.
  • Salmo 110:1 ("Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita") é citado em Mateus 22:44 e outros textos para ressaltar a supremacia de Jesus.

Além disso, alguns salmos falam do tempo presente do salmista, mas contêm princípios atemporais. Um exemplo claro é o Salmo 37, que diz: "Mas os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância de paz." (Salmos 37:11). E o versículo 22 diz que 

Jesus faz alusão direta a esse texto em Mateus 5:5, confirmando que o princípio permanece válido. O Novo Testamento também fala sobre um novo céu e uma nova terra, onde os justos habitarão (Apocalipse 21:1-4) e onde todo aquele que pratica a iniquidade será "cortado" (Salmo 37:22 e Mateus 7:29) e lançado no fogo. 

Problemas com a abordagem aniquilacionista

Se adotarmos a literalidade de forma irrestrita, como eles fazem, teremos inconsistências gigantes. Por exemplo, no mesmo Salmo encontramos descrições como:

  • Os ímpios serão feridos pela própria espada (Salmos 37:15);
  • Seus arcos serão quebrados (Salmos 37:17);
  • Eles murcharão como a erva (Salmos 37:2);
  • Terão um caminho escorregadio (Salmos 35:6 e 73:8)

A variedade de metáforas deixa evidente que não se pode interpretar tudo de forma literal. Aliás ninguém afirmará que tudo isso acontecerá na literalidade no fim. O problema é que, quando encontram dificuldades em sua argumentação, os aniquilacionistas alegorizam seletivamente, sem dar uma resposta satisfatória. E realmente, nem tudo pode ser pego ao pé da letra. Um exemplo notável é quando dizemos que a espada de Jesus  (Salmo 45:3) é sua palavra (Hebreus 4:12) e que sua noiva (Salmo 45:9-11) é a Igreja (Apocalipse 21:9). 

Contudo, nossos amigos aniquilacionistas frequentemente extrapolam o sentido das passagens. Um exemplo clássico é o Salmo 37:38:

"Quanto aos transgressores, serão, à uma, destruídos, e as relíquias dos ímpios todas perecerão." (ARC).

O termo hebraico traduzido como “destruídos” é "shamad", que pode trazer a ideia de aniquilação, de reduzir a nada. É aqui que nossos amigos vibram, enxergando uma suposta prova do aniquilacionismo futuro. E no Salmo 83:10, onde o mesmo termo é utilizado, por exemplo, está escrito: "Foram destruídos ("chamad") em En-Dor; tornaram-se estrume para a terra." Esse texto deixa claro o sentido de shamad, que significa uma destruição total. Aqui, as pessoas não apenas morreram, mas foram reduzidas a algo sem valor, como estrume espalhado pelo chão. A ideia é que os inimigos de Deus foram completamente eliminados, sem deixar qualquer traço de importância ou força, mostrando o poder absoluto do juízo divino.

 Outro texto que pode agradar ainda mais os aniquilacionistas é o Salmo 92:7, onde o termo "shamad" está diretamente ligado à expressão "para sempre": "Quando os ímpios brotam como a erva e florescem todos os que praticam a iniquidade, é para serem destruídos para sempre." Alguma mente criativa pode sugerir que, já que o termo destruir está ligado a para sempre, logo só pode estar falando do fim, não do tempo presente do salmista. No entanto, o mesmo termo hebraico para "para sempre", que é "ad", também é usado em Números 24:24 no contexto de destruição, e ninguém diria que esses textos estão falando do juízo final:

"E, vendo ele a Amaleque, proferiu a sua parábola, e disse: Amaleque foi a primeira das nações; mas o seu último fim será que pereça para sempre." (Números 24:20, Versão King James)

 Mesmo assim, é importante considerar o contexto do Salmo. Nos versículos finais, o salmista descreve o justo como alguém que, ao envelhecer, continua a frutificar: "Na velhice ainda darão frutos, serão viçosos e florescentes." (v. 14). Como sabemos, a ideia de velhice e ter filhos não corresponde ao contexto da nova criação. 

Essa linguagem de povos ímpios sendo comparados a árvores que crescem é realmente muito comum nas Escrituras, como vemos em Ezequiel 31. Nesse capítulo, a prosperidade dos impérios inimigos de Deus é descrita como o crescimento de uma árvore robusta e frondosa: "Eis que a Assíria era um cedro no Líbano, com formoso ramo e de sombra densa" (Ezequiel 31:3). No entanto, a mesma passagem revela que, apesar de sua grandeza, esses impérios foram derrubados e destruídos: "Foi derrubado no meio das águas, e todos os seus ramos caíram" (Ezequiel 31:12). Esse tipo de metáfora ilustra a breve prosperidade dos ímpios, mas também destaca sua queda abrupta e completa, como aconteceu com Babilônia, que desapareceu da história, assim como outros inimigos de Israel. 

A ideia de prosperidade temporária dos ímpios é realmente recorrente, como vemos no Salmo 73. Nesse salmo, o salmista começa expressando sua frustração ao observar a prosperidade dos ímpios, dizendo: "Na verdade, Deus é bom para com Israel, para com os puros de coração. Mas, quanto a mim, os meus pés quase resvalaram, pouco faltou para que meus passos se desviassem. Pois eu me indignava com os arrogantes, ao ver a prosperidade dos ímpios" (vv. 1-3). Ele observa que, enquanto os ímpios parecem viver em conforto e sucesso, ele mesmo, um fiel, sofre. No entanto, ao refletir sobre o fim dos ímpios, o salmista percebe que sua prosperidade é repentina e que seu destino é a destruição. Ele reconhece, então, que a verdadeira segurança está em Deus, que guiará os justos para a vitória final, enquanto os ímpios terão um fim trágico. "Certamente os pões em lugares escorregadios; os precipitas em ruínas." (v. 18). O salmista chega à conclusão de que, embora os ímpios possam prosperar por um tempo, seu fim será de destruição, um juízo final que coloca em contraste a justiça de Deus e o destino dos inimigos de Seu povo. A reflexão do salmista no Salmo 73, portanto, confirma que a prosperidade dos ímpios é temporária, e o juízo de Deus é certo, trazendo consolo para os fiéis e alertando os ímpios sobre sua queda iminente.

Mas falando em árvore,  prosperidade curta e retornando ao assunto em questão, que são os salmos e os aniquilacionistas, o próprio Davi, no Salmo 37, descreve o ímpio crescendo como uma árvore, mas que, em pouco tempo, desaparece. Ele escreve: 

"Vi um ímpio prepotente a expandir-se como a árvore verde na terra natal. Mas passou, e já não é; procurei-o, e não se pôde encontrar." (Salmo 37:35-36)

Isso, meus irmãos, Davi  não estava fazendo uma profecia sobre algo que aconteceria no futuro, como desejam os aniquilacionistas, mas compartilhando uma reflexão sobre a vida que ele mesmo observou (no passado): a prosperidade momentânea dos ímpios e a estabilidade dos justos! Os Salmos, de fato, muitas vezes convidam o leitor a refletir sobre a vida cotidiana, sobre o que vêem e experimentam e a  lembrar de que, apesar das aparências, a justiça de Deus prevalece. Assim, Salmo 37 é uma meditação de Davi na sua velhice (v. 25) sobre a transitoriedade da "boa vida" dos ímpios e o viver dos justos, que encontrarão a paz e a segurança em Deus.

A própria passagem que afirma que o ímpio cairá sobre sua própria espada e que seu arco será quebrado (Salmo 37:15, 17) simboliza claramente o fracasso e a derrota. No entanto, se a aplicação for entendida de forma literal, tal evento não poderia ocorrer no futuro, mas remete a algo já realizado no passado. É mais provável que essa descrição se aplique à vida de Saul (1 Samuel 31:4), uma vez que o contexto reflete a experiência de vida do salmista, Davi, que frequentemente presenciou exemplos concretos da justiça divina contra os ímpios em sua trajetória (2 Samuel 1:17-27).

O Salmo 11:6, que diz "Sobre os ímpios fará chover brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a porção do seu cálice", muitas vezes é associado por alguns ao juízo final descrito em Apocalipse 20:9 ("desceu fogo do céu e os consumiu"). No entanto, o contexto do Salmo parece refletir mais as experiências históricas do povo de Israel, em que Deus demonstrou Seu juízo contra os ímpios de forma literal e direta em eventos passados.

O salmista pode estar aludindo a exemplos concretos da intervenção divina:

  1. Sodoma e Gomorra – Deus fez chover enxofre e fogo sobre as cidades por causa de sua extrema perversidade (Gênesis 19:24).
  2. Egito – Durante as pragas, Deus enviou saraiva misturada com fogo, mostrando Seu poder contra Faraó e seus deuses (Êxodo 9:23-24).
  3. Os inimigos de Elias – Deus enviou fogo do céu para consumir os soldados enviados pelo rei Acazias contra Elias, mostrando que Ele era o verdadeiro Deus (2 Reis 1:10-12). Embora este evento seja posterior ao salmista, Davi, também traz o mesmo entendimento.

Esses eventos reforçam que o salmista provavelmente estava recordando manifestações históricas da justiça divina na história de Israel, em que o Senhor interveio para punir os ímpios e proteger os justos. Assim, o Salmo 11:6 reflete mais uma meditação sobre a fidelidade de Deus ao longo da história do que uma profecia sobre o fim dos tempos, como alegam nossos amigos.

Na realidade, até textos que aparentam ser escatológicos são frequentemente baseados em eventos vividos pelo povo. Um exemplo claro é o Salmo 18, onde Davi, de forma poética, descreve Deus vindo em seu auxílio durante um tempo de perseguição: "Então, a terra se abalou e tremeu; vacilaram também os fundamentos dos montes e se estremeceram, porque ele se indignou. Das suas narinas subiu fumaça, e, da sua boca, fogo devorador; dele saíram brasas ardentes" (Salmo 18:7-8). Para quem desconhece o contexto, essas descrições podem parecer escatológicas, pois mencionam Deus vindo de forma grandiosa. Contudo, trata-se de uma poesia baseada na experiência de Davi e na manifestação de Deus no Êxodo 19, quando o Senhor desceu sobre o monte Sinai em fogo, trovões e terremotos. Esse mesmo salmo, com pequenas variações, é repetido em 2 Samuel 22, reforçando que a mensagem central é um louvor a Deus pelo livramento histórico de Davi, e não uma visão profética do fim dos tempos. O contexto, portanto, torna-se o maior rival do mortalismo.

Talvez, ao ler esses textos, alguém se deixe influenciar pela teologia da prosperidade. No entanto, é importante lembrar que todos esses salmos estão fundamentados na Lei das bênçãos e maldições, conforme é estabelecido em Deuteronômio 28. Essa lei fazia uma promessa de prosperidade para os justos e de dificuldades para os ímpios, como resultado da obediência ou desobediência a Deus. O próprio Davi, em sua experiência, afirma nunca ter visto um justo mendigar o pão (Salmo 37:25), o que nos mostra que Deus é fiel em prover para aqueles que o seguem. No entanto, nosso foco não está limitado a uma Canaã terrena e temporária, mas se volta para as riquezas eternas que aguardam os justos. A verdadeira promessa é de uma herança incorruptível, reservada no céu, e de uma paz que transcende as circunstâncias deste mundo, onde a provisão divina se estende para além das necessidades materiais.

Diante disso, ao interpretar os Salmos, é importante considerar três pontos principais:

  1. O contexto histórico e literário – Muitos salmos foram escritos a partir de experiências pessoais ou históricas, como as batalhas de Davi, a libertação de Israel ou a confiança em Deus nos momentos difíceis. É essencial entender o que estava acontecendo na época para compreender o significado completo do salmo.

  2. O uso de metáforas e linguagem poética – Os salmistas frequentemente usam figuras de linguagem, como a árvore verde, a espada ou o fogo, para transmitir mensagens espirituais. Essas imagens não devem ser interpretadas literalmente em todos os casos, pois têm um significado simbólico.

  3. A progressão bíblica – Embora alguns salmos contenham mensagens messiânicas ou escatológicas, a aplicação principal deles se baseia nas circunstâncias do momento em que foram escritos. Com o tempo, a revelação de Deus se desenvolve, e no Novo Testamento, muitas dessas verdades são esclarecidas de forma mais clara e completa.

Salmos, portanto, especialmente o Salmo 37, têm sido mal interpretados pelos aniquilacionistas, que os tiram de contexto para defender suas ideias. Esses textos são poéticos e refletem experiências pessoais dos salmistas, como Davi, e não descrições escatológicas. O Salmo 37, por exemplo, mostra a confiança de Davi na justiça de Deus ao afirmar que os ímpios, embora prosperem temporariamente, desaparecerão. Metáforas como "Deus fará chover brasas de fogo" ou "os ímpios cairão sobre suas próprias espadas" não devem ser lidas literalmente, mas como expressões da justiça divina em eventos históricos. Assim, é importante respeitar o contexto dos Salmos, que ensinam a confiar no Senhor em vez de usá-los para apoiar ideias alheias à sua mensagem.

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