O [mau] uso aniquilacionista do Antigo Testamento
A paz do Senhor! É tradição: muitos aniquilacionistas recorrem
a dezenas de textos do AT para tentarem “confirmar” o que acreditam. Dizem: “Tá
vendo? Está cheio de passagens que falam da extinção do ímpios.” O grande
problema de certas pessoas é contar a história até onde lhes convém. Isso não é
só desonestidade intelectual; é pecado.
Essa tática de contar a história pela metade é a tática mais
conhecida do inimigo. No Éden, ele falou para Eva que quem comesse o fruto
seria semelhante a Deus, sabendo o bem e o mal, o que é uma verdade, contudo
disse que ela não morreria, uma mentira (Gn 3:4,5). Na tentação do deserto, o
diabo citou o salmo 91:11, contudo não contextualizou com Deuteronômio 6:16. A
mesma tática é feita pelos aniquilacionistas nos dias de hoje.
Mas vamos para um texto aniquilacionista:
"Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as
nações; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a
tua cabeça. Porque, como bebestes no meu santo monte, assim beberão, de
contínuo, todas as nações; beberão, sorverão e serão como se nunca tivessem
sido". Obadias 1:15-16 ARA
Ao ler este texto, o aniquilacionista vai ao delírio. E não
só esse texto, mas muitos outros que falam da extinção dos ímpios. Mas todo
texto tem contexto, né?
"Mas, no monte Sião, haverá livramento; o monte será
santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades. A casa de Jacó será
fogo, e a casa de José, chama, e a casa de Esaú, restolho; aqueles incendiarão
a este e o consumirão; e ninguém mais restará da casa de Esaú, porque o Senhor
o falou. Os de Neguebe possuirão o monte de Esaú, e os da planície, aos
filisteus; possuirão também os campos de Efraim e os campos de Samaria; e
Benjamim possuirá a Gileade. Os cativos do exército dos filhos de Israel possuirão
os cananeus até Sarepta, e os cativos de Jerusalém, que estão em Sefarade,
possuirão as cidades do Sul. Salvadores hão de subir ao monte Sião, para
julgarem o monte de Esaú; e o reino será do Senhor." Obadias 1:17-21
ARA
Opa! Sim, o texto não fala só da destruição das outras
nações, mas também do estabelecimento do Estado de Israel. E aí que o negócio começa a ficar
interessante. Geralmente, muitos aniquilacionistas vão alegorizar a segunda
parte. Dirão que essa descendência de Jacó aí não é a física, mas a espiritual:
a Igreja. Isto é, fazem uma leitura do texto a partir da revelação do Novo
Testamento. Ué? Mas por que não fazem o mesmo com o castigo dos ímpios no fim
dos tempos? Acredito que a resposta seja esta: conveniência.
Para a passagem acima temos duas possíveis formas de
interpretar: a aliancista e a dispensacionalista.
Aliancista: Entende o texto à luz da revelação do
Novo Testamento. Ou seja, o castigo ali seria o tormento eterno no lago de
fogo. Deus apenas estaria usando uma linguagem cotidiana, em que reinos
inimigos eram varridos da face da terra, para ilustrar a futura punição dos
ímpios. Fato igual seria em Miqueias, em que Deus fala que, no fim dos tempos,
os guerreiros transformaram suas espadas em lanças, mas sabemos que isso não é
mais possível, pois esse objeto não é utilizado mais em guerra. Deus estaria
apenas usando uma linguagem cotidiana com o intuito de ilustrar o futuro. E o
Israel seria a Igreja, segundo a revelação do NT.
Dispensacionalista: Essa seria a forma mais simples e
literal de entender. O texto estaria falando do Armagedom, que ocorre em
Apocalipse 19 e que todos os inimigos dos judeus são mortos por Jesus, e do
reino milenial e literal de Cristo sobre Israel.
Dentre as opções acima, o dono do blog crê em uma dupla
aplicação, isto é, tanto no Armagedom quanto num cumprimento final no lago de
fogo.
A maioria dos textos
citados pelos aniquilacionistas do Antigo Testamento sempre traz dois
problemas: Ou são descontextualizados (pasmem, eu já vi esse povo citando até trechos de livros que não são escatológicos, como Jó e Provérbios!) ou falam da
destruição de nações e restabelecimento da nação de Israel. Por razões
desconhecidas (talvez sejam conhecidas, não é?) alegorizam a parte que fala da
restauração de Israel como nação, mas não fazem o mesmo com a destruição das
nações.
Se você olhar no Google, verá postagens como “200 textos
aniquilacionistas no Antigo Testamento” e títulos parecidos. Eles só esquecem
de dizer que todas essas passagens estão em um contexto judaico, em que seus
inimigos são derrotados e Israel restabelecido. Como boa parte são aliancistas,
tiram Israel da profecia e colocam a Igreja, mas esquecem de colocar o lago de
fogo no lugar dos inimigos, que não maioria das vezes, são mortos à espada, o
que nem eles acreditam que acontecerá no fim.
Em um certo debate com o doutor Carlos Augusto Vaillati, um
apologista adventista citou a passagem abaixo para defender suas convicções:
"Eis que envergonhados e confundidos serão todos os que se
irritaram contra ti; tornar-se-ão nada; e os que contenderem contigo perecerão." Isaías 41:11 ARC
Um membro dessa vertente da cristandade, ao ver essa
citação, certamente a colocará no seu “arsenal de textos-provas” para suas
crenças. O que muitos se esquecem é de ver o contexto:
"Mas tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi,
semente de Abraão, meu amigo, tu, a quem tomei desde os confins da
terra e te chamei dentre os seus mais excelentes e te disse: tu és o meu servo,
a ti te escolhi e não te rejeitei; não temas, porque eu sou contigo; não te
assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te esforço, e te ajudo, e te sustento
com a destra da minha justiça. Eis que envergonhados e confundidos serão todos
os que se irritaram contra ti; tornar-se-ão nada; e os que contenderem contigo
perecerão. Buscá-los-ás, mas não os acharás; e os que pelejarem contigo
tornar-se-ão nada, e como coisa que não é nada, os que guerrearem contigo.
Porque eu, o Senhor, teu Deus, te tomo pela tua mão direita e te digo: não
temas, que eu te ajudo. Não temas, ó bichinho de Jacó, povozinho de Israel;
eu te ajudo, diz o Senhor, e o teu Redentor é o Santo de Israel". Isaías 41:8-14
ARC
A ideia básica do texto é que todos os adversários de Israel
simplesmente sumirian do mapa, como aconteceu por exemplo com a própria
Babilônia (Jr 25:12). Você pode procurar essa cidade, mas não a achará, exceto
um local desabitado. Por mais que alguém jogue o texto para o futuro, o
mortalista terá de ler Israel numa perspectiva alegórica, deixando apenas
literal a parte que lhe convém.
Vamos agora para um texto clássico para finalizarmos a linha
de raciocínio:
"Pois, como diante de mim durarão os céus novos e a
terra nova, que hei de fazer, assim durará a vossa posteridade e o vosso
nome. Desde uma lua nova até outra e desde um sábado até outro, virá toda a
carne a adorar perante mim, diz Jeová. Eles sairão e verão os cadáveres dos
homens que transgrediram contra mim. Pois o seu verme não morrerá, nem o seu
fogo se apagará, e eles serão uma abominação para toda a carne". Isaías
66:22-24 TB
Um estudo mais detalhado sobre essa passagem foi feito neste LINK, logo apenas mostrarei essa teologia seletiva aqui.
Este texto faz um aniquilacionista vibrar, pois mostra, no
contexto de novo céu e nova terra, os ímpios mortos e pegando fogo. Assim, eles
interpretam Mateus 25:41, que fala do fogo eterno, à luz dessa passagem. E
afirmam: “o fogo não apagará enquanto não consumir os cadáveres”.
Mas agora vejamos todo o texto:
"Pois eis que virá o SENHOR com fogo, e os seus carros serão como o torvelinho, para retribuir a sua ira com furor e a sua repreensão, com labaredas de fogo. Pois, com o fogo e com a sua espada, entrará Jeová em juízo com toda a carne; e serão muitos os que ficarão mortos por Jeová. Os que se santificam e se purificam para entrarem nos jardins após a deusa que está no meio, os que comem de carne de porco, e da abominação, e do rato, todos eles serão consumidos, diz Jeová. Pois eu conheço as suas obras e os seus pensamentos; vem o dia em que ajuntarei todas as nações e línguas; elas comparecerão e verão a minha glória. Porei nela um sinal, e os que dentre eles escaparem, eu os enviarei às nações, a Társis, Pul e Lude, cujos povos atiram com setas, a Tubal e Javã, às ilhas remotas, que não ouviram a minha fama, nem viram a minha glória; eles anunciarão entre as nações a minha glória. A todos os vossos irmãos, tirados dentre todas as nações, eles os trarão como uma oferta para o SENHOR; sobre cavalos, em carros, em liteiras, sobre mulas e sobre dromedários, os trarão ao meu santo monte, a Jerusalém, diz Jeová, como os filhos de Israel trazem a sua oferta num vaso limpo à Casa de Jeová. Deles também tomarei alguns para sacerdotes e para levitas, diz Jeová. Pois, como diante de mim durarão os céus novos e a terra nova, que hei de fazer, assim durará a vossa posteridade e o vosso nome. Desde uma lua nova até outra e desde um sábado até outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz Jeová. Eles sairão e verão os cadáveres dos homens que transgrediram contra mim. Pois o seu verme não morrerá, nem o seu fogo se apagará, e eles serão uma abominação para toda a carne". Isaías 66:15-24
Como visto, nenhum aniquilacionista vai admitir que o destacado em negrito possa ser literal, principalmente Deus vindo com espada e em carros de guerra. Dificilmente acreditarão que os servos de Deus serão tragos em animais e liteiras, mas pelos anjos. A expressão assim durará a vossa posteridade e o vosso nome é claramente uma referência ao Israel étnico, e isso fica confirmado por deles também tomarei alguns para sacerdotes e para levitas. Mas, como sempre fazem uma aplicação cristológica, inserindo a Igreja no lugar de Israel étnico, contudo, não fazem o mesmo com fogo que não se apaga. Este, na aplicação feita no Novo Testamento , não é Deus que vem matando com espada e incendiando o povo, mas após o julgamento, os ímpios serão lançados no fogo eterno pelos anjos, onde haverá tormento e tristeza (Mt 13: 49-50 e Ap 14:9,10).
Um exemplo didático para um excelente esclarecimento, onde vemos a diferença entre a profecias e suas aplicações, inclusive mencionado anteriormente, é a profecia sobre as lanças se transformarem em enxadas, registrada em Isaías 2:4 e Miqueias 4:3. Esse texto traz uma imagem forte e cheia de significado: um futuro de paz, onde armas de guerra viram ferramentas para plantar e colher. Deus usou essa linguagem pra mostrar que um dia, sob o reinado de Cristo, a violência vai acabar e a humanidade vai viver em harmonia. Claro, não faz sentido interpretar isso ao pé da letra hoje, já que lanças e espadas não são mais usadas nas guerras modernas. Deus falou na linguagem do povo da época, mas a mensagem é atemporal: Ele está apontando para uma realidade espiritual e futura. Isso nos lembra que não dá pra ler a Bíblia só do jeito que nos convém, pegando umas partes literalmente e alegorizando outras, como muitas vezes acontece em debates sobre o castigo eterno.
Portanto, vemos que Deus usa o ideal presente, com Israel restaurado e seus inimigos derrotados, para ilustrar uma realidade futura. Esse contraste de juízo e restauração é cumprido plenamente na Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, como evidenciado em Efésios 2:14-16, onde a obra de Cristo quebra as barreiras de separação, reconciliando judeus e gentios. A palavra de Cristo, que traz julgamento para os ímpios, também traz restauração para os que são salvos por Ele, cumprindo as promessas de vitória e paz que estavam presentes nas profecias de Israel, mas que se realizam na plenitude do Reino de Deus na Igreja, embora eu não negue que possa ter um cumprimento literal no milênio, já que, nele, há menção da cidade de Jerusalém (Apocalipse 20:9).
Implicações perigosas
A mesma artimanha aniquilacionista poderia ser usada para criar uma heresia ainda maior. Por exemplo, já que eles recorrem a passagens do Antigo Testamento para negar o tormento eterno descrito em Apocalipse, poderíamos aplicar a mesma lógica à questão do Templo e dos sacrifícios.
Ora, Apocalipse 21:22 afirma claramente que "nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro". No entanto, há dezenas de passagens no Antigo Testamento que falam sobre a continuidade dos sacrifícios, do Templo e do serviço sacerdotal na era futura (cf. Ezequiel 40–48; Zacarias 14:16-21; Isaías 66:20-23). Até mesmo a menção à árvore que dá fruto de mês em mês em Apocalipse 22:2 é retirada de Ezequiel 47:12, um contexto que descreve a restauração do Templo com sacrifícios.
O que fazer agora? Alegorizar tudo ou jogar para o milênio? Se a opção for transferir essas profecias para o período milenar, então por que não aplicar o extermínio dos ímpios a esse período também? Afinal, tanto na segunda vinda de Cristo, quando os ímpios serão mortos pela espada que sai da boca do Senhor (Apocalipse 19:21), quanto após o milênio, quando o fogo descerá do céu e os consumirá (Apocalipse 20:9), há extinção do povo rebelde.
Se os aniquilacionistas aceitam que certas profecias sobre sacrifícios e o Templo devem ser interpretadas simbolicamente ou deslocadas para o milênio, por que insistem em aplicar passagens do Antigo Testamento de forma literal para negar a doutrina do tormento eterno revelada no Novo Testamento? Essa inconsistência apenas evidencia a fragilidade do argumento.
Em síntese, para validarem essa crença, terão de apostar na preguiça do brasileiro em conferir todo o conteúdo em que o verso está inserido, o que de fato terão sucesso, pois nosso povo odeia ler, e em um marketing em cima de dezenas de [falsas] “evidências” textuais, fazendo o leitor acreditar que tal perspectiva teológica seja realmente a verdadeira. É a antiga estratégia da serpente: dizer o que lhe convém e ocultar o que não lhe interessa.
Comentários
Postar um comentário