Os outros deuses verdadeiros da Bíblia




Que a paz do SENHOR esteja com todos! Hoje vou tratar de um tema bastante interessante com um certo tom polêmico: os chamados "outros deuses verdadeiros" presentes na Bíblia. A ideia é mostrar que o termo hebraico usado para 'Deus" não se limita ao ÚNICO Deus, o Todo-Poderoso, nem aos ídolos, mas também pode se referir, dependendo do contexto, a anjos e até a pessoas que exercem autoridade. Assim, da mesma forma como "senhor" não é aplicado ao único Senhor, a palavra hebraica para "Deus" também não é aplicada somente ao único Deus.

Um exemplo para começarmos está nas falas de Labão a Jacó, conforme registrado em Gênesis 31:29 (ARA):

 "Está no poder ("el") da minha mão fazer-vos mal; mas o Deus de vosso pai me falou ontem à noite...".

 Curiosamente, a palavra traduzida como “poder” na ARA, no original hebraico, é El , o mesmo termo que, em muitos outros textos, é traduzido como "Deus". Isso mostra que El pode se referir não apenas ao nosso Deus ou algum ídolo, mas também a alguém revestido de autoridade ou poder, reforçando a ideia de que o uso desse termo nas Escrituras é mais amplo do que normalmente se presume.

Outro texto ótimo para exemplo é o famoso Provérbios 3:27, que diz: 

"Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo" (ARA).

 Aqui, novamente, a palavra traduzida como "poder" é El, o mesmo termo hebraico geralmente traduzido como "Deus". Esse uso reforça que El não se limita a designar a divindade suprema, mas também pode se referir a alguém dotado de autoridade, força ou capacidade de ação, dependendo do contexto.

"Ai daqueles que, em suas camas, imaginam a iniquidade e maquinam o mal! Ao amanhecer, o realizam, pois o poder ("el") está em suas mãos!" (Miqueias 2:1)

Um ponto interessante, que fica claro a partir do que já foi analisado, é a forma como a Bíblia se refere aos juízes. Em Êxodo, por exemplo, certas questões deveriam ser levadas diante dos "elohim" (cf. Êx 21:6). O termo é o mesmo usado para o Deus supremo, "elohim", mas o contexto mostra claramente que aqui a referência é a juízes humanos. Eles recebem essa designação não por serem divinos, mas porque exercem uma autoridade concedida por Deus. São, portanto, pessoas poderosas.

"Se o ladrão não for achado, então, o dono da casa será levado perante os juízes ("elohim") a ver se não meteu a mão nos bens do próximo." (Êxodo 22:8 ARA)

Agora vamos entrar num ponto que exige mais um estudo cuidadoso:

"[1] Deus está na congregação dos poderosos; julga no meio dos deuses. [2] Até quando julgareis injustamente e respeitareis a aparência da pessoa dos ímpios? (Selá) [3] Defendei o pobre e o órfão; fazei justiça ao aflito e necessitado. [4] Livrai o pobre e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios. [5] Eles nada sabem, nem entendem; andam em trevas; todos os fundamentos da terra vacilam. [6] Eu disse: Vós sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo. [7] Todavia, como homens morrereis e caireis como qualquer dos príncipes. [8] Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois te pertencem todas as nações!" (Salmos 82:1-8 ARC)

Já a parte do Salmo 82 é interessante por vários motivos. Primeiramente, a tradução é claramente "deuses", devido à afirmação "mas morrereis como homens", que estabelece um contraste direto entre a posição elevada desses personagens e sua condição humana. Como se não bastasse, o próprio Jesus conforma a leitura quando cita o texto dessa forma: 

"João [34] Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses? [35] Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida (e a Escritura não pode ser anulada)." (João 10:34-35 ARC) 

A proposta que mais se alinha é o fato de "deuses" e "poderosos" serem palavras idênticas, como vemos em várias traduções do versículo 1, que dizem que Deus julga no meio "dos deuses" ou "dos poderosos" (Sl 82:1). E o termo hebraico utilizado é "elohim", o mesmo aplicado ao Deus único, mas que também pode designar pessoas com autoridade.

 Os poderosos praticamente tinham a função divina na terra, que era julgar as causas do povo. Eles eram, mesmo não sendo, COMO SE FOSSEM deuses por delegação, pois exerciam autoridade em nome do Criador. A origem semântica do termo contribui para essa comparação, já que está ligada à ideia de poder e julgamento.

"[1] No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. [2] Ele estava no princípio com Deus. [3] Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez." (João 1:1-3 ARA)

Mas alguém ainda poderia questionar: e Jesus? Seria Ele Deus da mesma forma que os juízes eram chamados de "deuses"? Algo que praticamente já desequilibra essa ideia é a continuação do próprio Salmo 82. Além de serem chamados de "deuses", os juízes também são chamados de "filhos do Altíssimo". Porém, eles não são filhos como Jesus é. A forma como o salmo usa essa linguagem é diferente. Aliás, Ele, o Senhor Jesus, é o único Filho nesse sentido determinado. 

"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (João 3:16 ARA)

O ponto mais forte contra essa ideia de que Jesus não seria Deus ou poderoso no mesmo sentido está nos outros textos referentes à pessoa de Jesus. Os demais agentes mencionados nas Escrituras — juízes, profetas ou anjos  (são servos); o Verbo, que era Deus, só se torna servo na encarnação (Jo 1:1,14; Fp 2:6–7). O Antigo Testamento também vai na contramão da ideia de um único Deus que teria construído todas as coisas com o auxílio de um ser menor, ao afirmar explicitamente que Ele estendeu os céus sozinho: "Eu sou o SENHOR, que fiz todas as coisas, que sozinho estendi os céus e espalhei a terra por mim mesmo". (Is 44:24; cf. Is 45:5–7).

Em resumo, os termos hebraicos usados para "Deus" não se aplicam de forma restrita apenas ao Deus único nem exclusivamente aos ídolos; pela própria etimologia e pelo uso bíblico, seu sentido pode variar conforme o contexto, abrangendo também a ideia de poder, autoridade e função delegada. Assim, o título "Os outros deuses verdadeiros que estão na Bíblia" não é, necessariamente, falso, impreciso ou enganoso. Trata-se, antes, de uma forma provocativa, chamativa e reflexiva de convidar à leitura atenta do texto sagrado, estimulando uma compreensão mais profunda e responsável das Escrituras. Que esse estudo sirva para nos aproximar ainda mais da verdade bíblica. Fiquem com Deus.


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