A Trindade simplificada
Que a paz do Senhor esteja com todos! Hoje abordarei um tema que, para muitos, pode parecer complexo, mas que é, na verdade, uma verdade profundamente enraizada nas Escrituras: a doutrina da Trindade. A doutrina da Trindade ensina que há um único Deus que subsiste eternamente em três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Farei uma análise abrangente da Bíblia para demonstrar que o trinitarianismo, longe de ser um arranjo teológico elaborado posteriormente pelos pais da Igreja, é uma realidade genuinamente bíblica, revelada progressivamente ao longo de toda a Palavra de Deus.
O monoteísmo
A primeira coisa que devemos ter em mente é, sem dúvidas, a afirmação bíblica da existência de um único Deus. O Antigo Testamento é enfático quanto a isso. Em Deuteronômio 6:4, lemos: "O Senhor (YHWH) é nosso Deus, o Senhor é UM". Em Isaías 45:5, Deus declara: "Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus". Textos como Isaías 44:6, Isaías 43:10, Isaías 45:21–22 e Salmos 86:10 reforçam continuamente essa singularidade divina.
Essa ênfase percorre toda a Escritura, deixando claro que o monoteísmo não é apenas um conceito teológico, mas uma verdade firmemente estabelecida e repetidamente reafirmada ao longo da Bíblia.
O único Deus que fez o mundo SOZINHO
Até aqui, tudo bem. Judeus, cristãos unitaristas e unicistas concordariam igualmente com a afirmação de que há um só Deus. Entretanto, os mesmos textos que afirmam a existência de um único Deus também declaram que Ele estendeu os céus sozinho. Em Isaías 44:24, o Senhor diz que "sozinho estendeu os céus" e "por si mesmo espalhou a terra". De maneira semelhante, Jó 9:8 afirma que Deus "sozinho estende os céus".
Por outro lado, o Novo Testamento atribui ao Filho essa mesma obra criadora. Em Hebreus 1:2, lemos que Deus fez o universo “por meio do Filho”. E, em Hebreus 1:10–12, uma passagem originalmente dirigida a YHWH em Salmos 102:25–27 é aplicada diretamente a Cristo: "Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, e os céus são obra das tuas mãos."
É justamente nesse ponto que as demais crenças começam a se complicar. Para um unitarista, que afirma que Jesus é uma criatura usada por Deus como instrumento na criação, essa realidade bíblica desmonta completamente essa ideia. Alguns tentarão argumentar que Deus "fez tudo sozinho" apenas no sentido de idealizar o projeto da criação, enquanto Jesus teria executado a obra. Contudo, esse raciocínio não resiste ao próprio texto bíblico.
Quando Deus afirma que "estendeu os céus sozinho" (Isaías 44:24), Ele não está falando de idealização, mas de ação. "Estender" não faz parte do conceito ou do plano, mas da execução, ou melhor que "os céus são obras de suas mãos" (Hebreus 1:10-12). Assim, a tentativa de separar idealização e prática para preservar a crença de que Jesus é uma criatura acaba entrando em conflito direto com a linguagem clara da Escritura. Logo, não basta crer que exista um único Deus, é preciso crer que ele fez tudo sozinho, sem a ajuda de um subordinado.
O problema unicista
Talvez algum unicista, pessoa que acredita que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são apenas uma única pessoa, diga que esse texto não causa problemas para sua doutrina. Porém, as palavras de Jesus em João 8:17–18 mostram exatamente o contrário. Nesse trecho, Jesus cita a Lei, que dizia que um testemunho só era válido se fosse confirmado por duas ou três pessoas.
A Lei afirma:
"Pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três, se estabelecerá todo negócio" (Deuteronômio 19:15)
Com base nisso, Jesus diz:
"Está escrito na vossa lei que o testemunho de duas pessoas é verdadeiro. Eu dou testemunho de mim mesmo, e o Pai, que me enviou, também dá testemunho de mim" (João 8:17–18).
Agora pense: se Pai e Filho fossem exatamente a mesma pessoa, como ensina o unicismo, então Jesus estaria usando a Lei de forma incorreta. Ele estaria citando uma regra que exige duas pessoas reais, mas apresentando apenas uma pessoa falando como se fosse duas. Isso tornaria o argumento de Jesus vazio e sem valor.
Em outras palavras, o unicismo faz parecer que Jesus usou uma lei séria para dar um testemunho que, na prática, não seria válido. E isso é impossível, porque Jesus é "a Verdade" (João 14:6) e não poderia usar um argumento enganoso.
Por isso, essa doutrina não só contradiz o texto, mas também ataca o caráter de Cristo, como se Ele tivesse apresentado um testemunho falso, algo completamente incompatível com quem Ele é.
Na visão unicista, Deus seria uma única pessoa fazendo o papel do Pai, do Filho e do Espírito Santo, quase como o Superman, que ao mesmo tempo é Kal-El e Clark Kent. Mas o problema é que este texto se refere ao tribunal judaico, e segundo esse tribunal, nunca se aceitava o testemunho de apenas uma pessoa fingindo ser várias. E é justamente aí que João 8:17–18 destrói esse pensamento. Jesus diz que o testemunho dEle e o do Pai juntos confirmam a verdade. Se fosse tudo a mesma pessoa interpretando três papéis, isso simplesmente não faria sentido.
Como se não bastasse, outros textos vão frontalmente contra o unicismo. Em João 14, por exemplo, Jesus menciona claramente três pessoas distintas:
"E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós." (João 14:16-17 ARC)
Aquele que roga, o Filho (João 14:16); Aquele que envia, o Pai (João 14:16), e Outro Consolador, o Espírito Santo, que habitaria nos discípulos (João 14:17) e que o Pai enviaria em nome de Cristo (João 14:26). Os termos "outro" (állos) e "Consolador" (Paráclito), indicando alguém tão pessoal quanto Jesus. Isso já desmonta totalmente a ideia unicista de que o Pai, o Filho e o Espírito seriam uma única pessoa representando papéis diferentes.
Da mesma forma, o unitarismo, que afirma que o Espírito Santo é uma força impessoal, também é confrontado pelo próprio capítulo. Um "Outro Consolador" que ensina (João 14:26), lembra (João 14:26), habita (João 14:17) e é enviado pelo Pai não pode ser uma força, mas uma pessoa divina.
Outro texto inequivocamente trinitário é Mateus 28:19:
"Batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo."
Em toda a Escritura, a expressão "em nome de..." (no sentido de autoridade) sempre se refere a pessoas, como "em nome do Senhor" (1 Samuel 17:45), "em nome de um profeta" (Mateus 10:41) e "em nome do rei" (1 Reis 21:8). Nunca se usa "em nome" para forças impessoais. Portanto, não há razão para que Mateus 28:19 seja tratado de maneira diferente. Se o Pai e o Filho são pessoas, o Espírito Santo igualmente o é. O uso de um único nome para três revela unidade essencial e distinção pessoal (exatamente conforme ensina a doutrina da Trindade).
É claro que sempre há margem para a criatividade daqueles que desejam negar os fatos. Alguns tentarão argumentar que a expressão "em nome do Espírito Santo" seria equivalente a expressões modernas como "em nome da lei" ou "em nome do bom senso". Contudo, embora esse uso seja comum em nossa linguagem atual (e até apareça em algumas obras extrabíblicas ) simplesmente não ocorre nas Escrituras. No Novo Testamento, a expressão "em nome" (ἐν τῷ ὀνόματι) é extremamente frequente, e em nenhum caso é utilizada para se referir a algo abstrato ou impessoal. Sem exceção, ela sempre se refere a uma pessoa real, dotada de autoridade. Por isso, não há base bíblica para interpretar Mateus 28:19 como se o Espírito Santo fosse uma força ou algo sem personalidade.Mas e os textos subordinacionistas?
Portanto, ao declarar que "o Verbo era Deus", João está afirmando que o Verbo possui tudo aquilo que faz Deus ser Deus, e não que Ele seja um ser divino inferior ou uma fração da divindade. A subordinação aparece apenas na encarnação, quando Ele "se fez servo" (Filipenses 2:7), não antes disso.
Para entender isso, basta pensar assim: se o texto dissesse "João estava com o homem, e João era homem", isso não significaria que João fosse um tipo menor de humano, mas que ele compartilha da mesma condição humana daquele com quem estava. Da mesma forma, João diz que o Verbo estava com Deus e era Deus (João 1:1), mostrando que Ele possui tudo aquilo que é próprio de Deus.
O Pai como único Deus
É verdade que 1 João 5:20 é um texto controverso. Para os unitaristas, o "verdadeiro Deus" seria o Pai, justamente porque a mesma expressão aparece em João 17:3. O termo "este" poderia, entretanto, não se referir ao antecedente mais próximo, como ocorre em 2 João 7, que claramente se refere ao anticristo:
"Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo".
Por outro lado, os trinitarianos defendem que o termo "este" (do grego "houtos") normalmente se refere ao antecedente mais próximo, salvo exceções, como a mencionada. Além disso, na literatura joanina, o Pai nunca é diretamente chamado de "vida" ou de "vida eterna". Já o Filho é chamado de Deus e explicitamente de vida e vida eterna (João 1:4; 11:25; 14:6; 1 João 1:2).
Um exemplo que dá suporte à visão trinitariana no próprio capítulo:
"[5] Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus? [6] Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo; não somente com água, mas também com a água e com o sangue. E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade." (1João 5:5-6 ARA)
De qualquer modo, independentemente da interpretação do termo "este", o ponto central é que o "verdadeiro Deus" está em contraste com os ídolos e falsos deuses, e não com o próprio Jesus.
E da mesma forma que acontece em João 17:3, vemos o mesmo padrão em 1 Coríntios 8. Tanto o Pai quanto Jesus são chamados de único Deus e único Senhor, mas isso é dito em contraste com os deuses e senhores falsos. Basta observar os versículos anteriores: Paulo afirma que há "muitos deuses e muitos senhores" (v. 5), mas para nós há "um só Deus, o Pai" e "um só Senhor, Jesus Cristo". Ou seja, assim como em João 17:3, o contraste é com a idolatria, não dentro da própria divindade.
Ao analisarmos o termo "único", percebemos que ninguém diria que o Pai não é Senhor apenas porque Jesus é chamado de "o único Senhor". Por outro lado, muitos afirmam que Jesus não é Deus pelo fato de o Pai ser chamado de "o único Deus".
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