O [mau] uso sabatista de Mateus 12:8 e Marcos 2:28

 

"[1] Naquele tempo, passou Jesus pelas searas, em um sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a comer. [2] E os fariseus, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num sábado. [3] Ele, porém, lhes disse: Não tendes lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e os que com ele estavam? [4] Como entrou na Casa de Deus e comeu os pães da proposição, que não lhe era lícito comer, nem aos que com ele estavam, mas só aos sacerdotes? [5] Ou não tendes lido na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? [6] Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo. [7] Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes. [8] Porque o Filho do Homem até do sábado é Senhor." (Mateus 12:1-8 ARC)

Que a paz do nosso Senhor Jesus esteja com todos! Hoje quero tratar de um tema aparentemente simples, mas frequentemente utilizado pelos sabatistas para sustentar suas convicções. Muitos o fazem por desconhecimento do real sentido da passagem; outros, infelizmente, por uma postura de arrogância, fechando os olhos para a clareza do texto bíblico. Refiro-me à declaração de Mateus 12:8 e Marcos 2:28, em que Jesus afirma ser "Senhor do sábado". A interpretação sabatista é a de que Ele estaria ali, com o uso do artigo definido, declarando o sábado como  "O dia do Senhor".

É importante lembrar que, antes de criticarmos interpretações contrárias às nossas, devemos também corrigir certos pensamentos que, embora estejam de acordo com a nossa posição, fazem mau uso deste texto para tentar invalidar o sétimo dia. Assim como muitos outros, eu também não guardo nem o sábado nem o domingo. No entanto, a passagem de Mateus 12, em que os discípulos colhem espigas no sábado, não pode ser utilizada como argumento para provar a anulação dessa ordenança na nova aliança.

Uma evidência de que a passagem não invalida a guarda do sétimo dia está nos próprios exemplos apresentados por Jesus. Ele menciona Davi, que, em meio à perseguição de Saul, comeu os pães da proposição, que eram reservados apenas aos sacerdotes (1Sm 21:1–6; cf. Lv 24:5–9). Será que, a partir desse episódio, a lei sobre quem poderia comer o pão foi abolida? De modo algum! Tratava-se de uma situação de necessidade. Da mesma forma, Jesus cita os sacerdotes, que realizavam seus serviços no sábado (Nm 28:9–10), e nem por isso eram condenados. São exceções previstas, não anulação da ordenança. Assim, o Senhor usa esses exemplos para legitimar a conduta de seus discípulos (Mt 12:3–5).

Agora, voltando ao uso que os sabatistas fazem da passagem, um dos problemas fundamentais está na dificuldade de compreender o que realmente o texto ensina. O evangelho declara: "até do sábado o Filho do Homem é Senhor" (Marcos 2:28). Essa frase não confere ao sábado um status singular dentro da nova aliança; ao contrário, o advérbio grego καί (kai, traduzido aqui como "até" ou "também") coloca o sábado na mesma categoria de todas as demais coisas que estão sob a autoridade de Cristo. Ou seja, o sábado não é destacado como algo exclusivo, mas incluído como mais uma propriedade do Senhor.

Se alguém ainda duvida dessa leitura simples, basta olhar os versículos imediatamente anteriores: Jesus afirma que ali estava alguém maior que o templo (Mt 12:6) e, logo em seguida, declara ser Senhor também do sábado (Mt 12:8). Assim, Ele não exalta o sétimo dia como especial na nova aliança, mas o coloca ao lado de outras coisas sagradas da antiga aliança, que é o caso do templo, como algo sobre o qual possui supremacia. A ênfase, portanto, não está no sábado em si, mas na autoridade universal de Cristo, que se apresenta como Senhor de todas as coisas (Cl. 1:16-18).

É claro que alguém pode até advogar que em muitos manuscritos esse "até" não se encontra no evangelho segundo escreveu Mateus. Porém, mesmo que Mateus não use a conjunção καί em alguns manuscritos, a mensagem continua a mesma: Jesus é supremo sobre tudo. Ele mostra que, se os sacerdotes podem trabalhar no sábado dentro do templo sem culpa, então Ele, que está diante dos apóstolos enquanto colhem espigas, é ainda maior que o templo e tem autoridade sobre o sábado. Afinal, o próprio versículo 8, ao introduzir a conjunção γάρ (gar) — geralmente traduzida como "porque" ou "pois" — indica uma explicação ou justificativa para o que foi abordado anteriormente.

O ponto central do texto não é o sábado como um dia separado e especial, mas Cristo. Ele é maior que o templo, maior que o sábado e maior que todas as instituições da antiga aliança. Ele é o Senhor de tudo. Assim, longe de ser uma declaração de Jesus no sentido de: "vejam, o sábado é o meu dia" ou "o sábado é o dia do Senhor", o versículo, no encerramento da perícope das espigas, apenas ressalta a supremacia de Cristo sobre os elementos sagrados da antiga aliança, colocando tanto o templo quanto o próprio sábado sob a sua autoridade. Portanto, o uso sabatista trata-se de uma leitura apressada do texto, feita com a intenção de inserir nele perspectivas teológicas próprias.

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