Não morrerá para sempre (Jo 11:26)


"e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente. Crês isto? " (João 11:26 ARA)

A paz do Senhor! Hoje vou abordar um assunto curioso: o uso de algumas traduções da Bíblia que parecem favorecer determinadas crenças. Eles afirmam que a morte atual é uma aniquilação temporária, enquanto a futura seria uma aniquilação eterna, e para sustentar essa ideia recorrem a textos do evangelho de João. Dessa forma, dizem que os ímpios morrem temporariamente agora, mas futuramente morrerão para sempre.

A expressão ''não morrerá eternamente'', traduzida literalmente do original, aparece não apenas em João 11:26, mas também em outras passagens do evangelho de João, como João 8:51 e João 8:52. Isso faz com que muitos aniquilacionistas se empolguem, acreditando ter encontrado múltiplas evidências para sustentar suas crenças. Assim, enquanto os justos viveriam para sempre, os ímpios morreriam para sempre.

O problema de muitos é simplesmente não pesquisarem mais profundamente. Por exemplo, em João 13:8 (link) está escrito:

λέγει αὐτῷ Πέτρος· Οὐ μὴ νίψῃς μου τοὺς πόδας εἰς τὸν αἰῶνα.

Tradução literal: "Pedro diz a ele: de modo nenhum lavarás os meus pés para sempre."

Veja que é praticamente a mesma construção grega encontrada em João 11:26 (link):
"καὶ πᾶς ὁ ζῶν καὶ πιστεύων εἰς ἐμὲ οὐ μὴ ἀποθάνῃ εἰς τὸν αἰῶνα· πιστεύεις τοῦτο"

Em outras palavras, Pedro estava expressando enfaticamente que Jesus jamais lavaria os seus pés novamente. Essa expressão constitui um idiomatismo do grego bíblico, utilizado para transmitir a ideia de que algo nunca mais acontecerá, com absoluta certeza e de forma definitiva.

Uma evidência incontestável de que "εἰς τὸν αἰῶνα" é um idiomatismo grego usado para enfatizar algo que nunca acontecerá está justamente na reação dos judeus em João 8:52-53. Eles disseram: "Agora sabemos que tens demônio. Abraão morreu, e também os profetas; e dizes: Se alguém guardar a minha palavra, nunca provará a morte para sempre. És tu maior do que o nosso pai Abraão, que morreu? Também os profetas morreram. Quem pretendes ser?" (João 8:52-53).

O questionamento deles mostra que entenderam a expressão "οὐ μὴ γεύσηται θανάτου εἰς τὸν αἰῶνα" no sentido absoluto de "nunca jamais morrerá" (conforme também João 11:26), e por isso, consideraram a declaração de Jesus absurda, já que até mesmo os maiores homens de Deus haviam morrido.

Portanto, a construção grega "οὐ μὴ + subjuntivo + εἰς τὸν αἰῶνα" tem o sentido idiomático de uma negação absoluta e permanente, equivalente a "nunca jamais" ou "de modo nenhum acontecerá eternamente." Logo, esse suposto contraste entre vida eterna e morte eterna, que nossos amigos aniquilacionistas tentam forçar ao texto, revela-se, na verdade, mais um equívoco básico, fruto de uma leitura fragmentada que desconsidera o contexto e a totalidade das Escrituras.

Talvez alguém hoje levante o mesmo questionamento feito pelos judeus em João 8. Afinal, não foi apenas Abraão quem morreu — todos os apóstolos e cristãos ao longo da história também experimentaram a morte. Se essa for, de fato, a interpretação correta, considerando tanto o entendimento expresso em João 8 quanto o episódio do lava-pés, como podemos então explicar essa aparente contradição?

É fato que existem diferentes interpretações, desde o contraste entre vida eterna e morte eterna, até a ideia de que, ao dizer que jamais morrerão eternamente, Cristo estaria se referindo à imortalidade da alma. No entanto, essa última interpretação também não se sustenta, pois a consciência após a morte não é exclusividade dos crentes, mas também abrange os descrentes (Lucas 16:19-31).

Ao olharmos tudo isso, podemos dizer que Jesus, muitas vezes, utiliza um linguajar imediato e absoluto. Por exemplo, em João 5:24, Ele afirma que os crentes já passaram da morte para a vida, ainda que não tenham experimentado a morte física:

"Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não entra em juízo, mas passou da morte para a vida." (João 5:24)

Da mesma forma, no caso da filha de Jairo, Jesus disse que ela não estava morta, mas apenas dormindo, ainda que já tivesse perdido o fôlego de vida:

"E todos choravam e pranteavam por ela; mas ele disse: Não choreis, não está morta, mas dorme." (Lucas 8:52)

O mesmo aconteceu com Lázaro:

"Assim falou, e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo dorme, mas vou despertá-lo do sono." (João 11:11) "Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto." (João 11:14)

Esses exemplos mostram que, para Jesus, a morte do cristão é tida apenas como um breve sono, pois, para Ele, a morte não é o fim, mas uma condição temporária que Ele tem poder para reverter. Compare, por exemplo, no próprio evangelho de Lucas o caso da filha de Jairo com a seguinte descrição:

"E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque para ele todos vivem." (Lucas 20:37-38 ARA)

O verbo usado para "viver" está no tempo presente. Dado que temos uma descrição semelhante no caso da filha de Jairo, é bastante provável que os patriarcas também "vivam" no mesmo sentido em que Jesus afirmou que a menina não estava morta, mas apenas dormia.

Assim, à luz da Bíblia, muitos que estão vivos fisicamente já estão mortos espiritualmente, enquanto muitos que morreram fisicamente continuam vivos para Deus. Ainda que isso soe paradoxal, essa é a verdade revelada nas Escrituras.

Em resumo, como vimos, o texto está longe de apoiar a interpretação proposta por nossos amigos. Não negamos que os ímpios enfrentarão a segunda morte. No entanto, usar essas passagens para afirmar que agora os ímpios estão temporariamente aniquilados, e que depois serão aniquilados eternamente, é impor ao texto bíblico algo que ele jamais declarou. Que Deus abençoe a todos, meus irmãos!

Comentários

  1. *O significado da expressão “Vida Eterna”*
    Vamos a explicação do que significa a palavra vida:
    Vida significa existência. Do latim “vita”, que se refere à vida. É o estado de atividade incessante comum aos seres organizados. É o período que decorre entre o nascimento e a morte.
    Vamos a explicação do que significa a palavra Eterno.
    Acabaram traduzindo o adjetivo grego “aionios” para o latim por “aeternus” e para o português “eterno” e outras línguas com o sentido de um tempo de duração sem fim, quando na realidade, esses dois adjetivos das línguas grega e latina significam tempo de duração indefinida ou indeterminada, e não sem fim.
    Também o substantivo eternidade, “aêon” em grego, e “eternitas” em latim, significam um tempo indefinido e não sem fim.
    Também em hebraico do Velho Testamento, a palavra “ôlam”, derivada do verbo “âlam”, é traduzida erradamente por eterno, cujo significado correto deve ser também de tempo indefinido e não sem fim. Tempo sem fim seria em grego “áidios”, e em latim “sempiternus”.
    Depois dessa explicação temos a definição da expressão VIDA ETERNA:
    Vida eterna significa vida com tempo indefinido e não sem fim.
    Logo entendo que a VIDA ETERNA oferecida ao homem, tem um fim, e não pode ser traduzida por tempo sem fim.
    Até porque toda vida tem um fim de sua existência.
    Segundo a mitologia judaica o sopro que Yahweh aplicou nas narinas do homem e que algumas traduções tendenciosamente chamam de “alma” recebeu o presente da vida indefinida e não de vida sem fim ou eterna.
    Devido a influência neoplatônica o termo hebraico “nefesh hayah” (garganta viva) em gênesis 2:7 foi traduzido como “alma” e compreendido com um ser imaterial, porém tal definição não fazia parte da mitologia dos povos que a escreveram, este anacronismo polissêmico demonstra a adulteração deste termo.
    Porque este conceito é fictício?
    1- A mitológica criação do homem não condiz com fatos comprovados pela arqueologia e paleontologia de que a nossa espécie evolui dos Australopithecus que surgiram a cerca de 3,5 a 4 milhões de anos atrás e o desenvolvimento do nosso neocórtex que proporcionou a capacidade de pensamento simbólico teve início há aproximadamente 100 mil anos;
    2- No período em que o livro de gênesis foi escrito a crença “mitológica” era de que houvesse um submundo que o corpo após a morte neste mundo iria para continuar vivendo, tal crença foi se adaptando ao perceber que os corpos continuam em suas sepulturas e ia se decompondo;
    3- A tradução literal do termo hebraico “nefesh hayah”, sofreu ressignificações ao longo da história quando os judeus tiveram contato com o platonismo grego aderindo a ideia de “alma” ou ser imaterial/imortal;
    4- O conceito de vida eterna foi extraído apenas após os contatos dos judeus com a religião dos persas (zoroastrismo).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Saudações, Bianca! Olha, eu não vejo assim, não. Você está correta em afirmar que os termos hebraico e grego podem trazer a ideia de tempo longo, não necessariamente eterno. Assim, a Bíblia poderia estar falando de uma vida longa, não eterna.
      Porém, há outros critérios que podemos colocar para saber o real significado. Por exemplo, além do termo "eterno" aplicado à vida (João 3:16; Mateus 25:46), a Bíblia também é clara em falar do corpo incorruptível (1 Coríntios 15:42–53) e do fim ou destruição da própria morte (1 Coríntios 15:26; Apocalipse 20:14), o que claramente corrobora com o significado de vida sem fim.

      Como se não bastasse, os textos que falam da ressurreição no Antigo Testamento, que para você é extraída do zoroastrismo, são praticamente uma inversão do Gênesis. Em Gênesis, diz que o homem, ao comer do fruto, retornará ao pó (Gênesis 3:19); em Daniel 12, o homem, que descansa do pó, ressuscitará (Daniel 12:2). Logo, no lugar de ser uma referência ao zoroastrismo, Daniel está simplesmente falando que aquilo que ocorreu no Gênesis um dia será revertido.

      Já o texto de Gênesis 2:7, nefesh ali significa simplesmente 'pessoa" ou "ser". Sabemos que este termo é polissêmico, ou seja, tem muitos significados. E uma prova de que significa “ser vivente” é simplesmente comparar com o texto da lei, que é praticamente o oposto, em que o sumo sacerdote não podia tocar em pessoa/alma morta (Levítico 21:11).

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Só 144 mil morarão no céu?

Destruídos ou perdidos?

O conceito de céu e inferno em Isaías