A origem da crença na ressurreição no Antigo Testamento
Que a paz do Senhor esteja com meus irmãos! Hoje abordarei um dos temas centrais da teologia cristã: a ressurreição. Analisarei quando essa promessa passou a fazer parte da fé futura do povo de Deus e como alguns textos são frequentemente interpretados, em minha humilde opinião, de forma "desatenta", levando certas pessoas a afirmar, com base neles, aquilo que eles talvez não diriam.
Não há dúvidas de que o texto mais claro sobre o tema é Daniel 12:2: "E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno."
O versículo contrasta diretamente com o que ocorre em Gênesis 3:19: "No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e ao pó tornarás."
Enquanto Gênesis enfatiza a transitoriedade da vida humana e o retorno ao pó como consequência do pecado, Daniel 12:2 revela que esse estado não é definitivo, pois aqueles que dormem no pó ressuscitarão, seja para a vida eterna, seja para a condenação.
Mas a promessa da ressurreição já parece ser revelada desde o profeta Isaías, pois ele declara:
"Os teus mortos viverão, os teus cadáveres ressuscitarão. Despertai e exultai, vós que habitais no pó, porque o teu orvalho é como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos." (Isaías 26:19)
Esse versículo reforça a esperança da ressurreição, mostrando que a morte não é o fim definitivo para o povo de Deus. A imagem do orvalho sugere renovação e vida, indicando que aqueles que habitam no pó não permanecerão nesse estado para sempre, mas serão restaurados. Isaías e Oseias, como veremos mais à frente, são, portanto, os primeiros homens de Deus a falar de uma ressurreição coletiva e futura.
A visão anterior à Isaías
Antes disso, essa crença era, no mínimo, desconhecida pelo povo de Deus. Parecia que a vida eterna, perdida no Éden, jamais seria restaurada:
"Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente, o Senhor Deus o lançou fora do jardim do Éden." (Gênesis 3:22-23)
Isso fica evidente no primeiro livro escrito, Jó. No capítulo 14, ele contrasta a árvore, que pode renascer, com o homem, que morre sem esperança aparente:
"Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó, ao cheiro das águas brotará, e dará ramos como a planta. Mas, morto o homem, é consumido; e, expirando o homem, então onde está ele? Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota e seca, assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará, nem será despertado do seu sono." (Jó 14:7-12)
Aqui, Jó expressa a incerteza sobre o destino humano após a morte, sugerindo que, naquele tempo, a ressurreição ainda não era uma crença claramente compreendida pelo povo de Deus.
Essas palavras de Jó, que estão no capítulo 14, que expressam descrença em uma ressurreição futura (Jó 14:10-14), são reforçadas pelas declarações de Salomão séculos depois. Em Eclesiastes 9:5-6, ele afirma que os mortos não sabem coisa nenhuma e que para eles nunca mais haverá recompensa. Já em Eclesiastes 12:5, a sepultura é descrita como a morada eterna do ser humano.
"Como também quando temeres o que é alto, e te espantares no caminho, e te embranqueceres, como floresce a amendoeira, e o gafanhoto te for um peso, e te perecer o apetite; porque vais à casa eterna, e os pranteadores andem rodeando pela praça". (Eclesiastes 12:5 ARA)
Em Eclesiastes 3:19, o texto praticamente expressa descrença numa possível ressurreição. O autor declara que o ser humano não tem nenhuma vantagem sobre o animal, já que ambos compartilham o mesmo destino: a morte. Embora muitas traduções tragam a expressão “mesmo espírito”, o termo hebraico usado é echad, que significa literalmente “um”. Ou seja, trata-se de “um só fôlego de vida para todos”, tanto para homens quanto para animais, sendo todos para Salomão igualmente "vaidade", ou seja, transitórios. Essa afirmação é teologicamente significativa e nos ajuda a entender a cronologia da revelação sobre a vida após a morte nas Escrituras.
O livro de Jó, provavelmente escrito no período patriarcal (entre 2000 e 1800 a.C.), já manifesta dúvidas quanto à possibilidade de reviver após a morte. Eclesiastes, atribuído a Salomão, foi escrito por volta do século X a.C., e continua refletindo uma visão limitada e incerta sobre o pós-morte. Já Isaías, que profetizou aproximadamente no século VIII a.C., apresenta um avanço significativo, sendo um dos primeiros a afirmar claramente a esperança da ressurreição, como se vê em Isaías 26:19.
"Mostrarás tu prodígios aos mortos ou os finados se levantarão para te louvar?" (Salmos 88:10 ARA)
Alguns textos que aparentam aludir ou falar de ressurreição
Jó 19
Muitos, ignorando o capítulo 14, defendem que o capítulo 19 de Jó trata da ressurreição, baseando-se em traduções mais interpretativas, como a Nova Versão Transformadora (NVT):
"E, depois que meu corpo tiver se decomposto, ainda assim, em meu corpo, verei a Deus!" Jó 19:26 (NVT)
No entanto, essa leitura depende da versão utilizada e da forma como se traduz certas expressões do texto original. Por exemplo, em uma tradução mais literal, o texto é apresentado da seguinte forma: "E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus." Jó 19:26 (ARC)
Isso é corroborado pelo próprio contexto imediato, onde Jó enfatiza que, devido às suas doenças de pele, restou-lhe apenas a pele dos dentes: "Os meus ossos se apegaram à minha pele e à minha carne, e escapei só com a pele dos meus dentes." Jó 19:20 (ARC)
Alguém poderia argumentar: "Roneilson, mas o próprio texto de Jó afirma que ele veria a Deus, o que parece ser uma referência à ressurreição." No entanto, o próprio capítulo 42, versículo 5, esclarece: "Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem." Ou seja, mais um suposto indício de ressurreição que, ao ser analisado no contexto, se revela um alarme falso.
Salmo 17
Algumas pessoas, de forma apressada, ligam o Salmo 17:15 à ideia de ressurreição por causa da frase "quando acordar contemplarei sua face" No entanto, essa expressão está mais relacionada ao que é dito no versículo 3, onde Davi fala: 'Tu me sondaste de noite; examinaste-me e nada achaste; propus que a minha boca não transgredirá". Aqui, 'acordar' está ligado ao despertar do sono comum, ou seja, ao dia a dia, e não à ressurreição. O contexto mostra que Davi está falando da sua integridade diante de Deus ao acordar, e não de uma esperança futura de ressuscitar dos mortos.
Salmo 71
Possivelmente, alguém argumente que o Salmo 71:20 fale claramente de uma ressurreição, pois diz:
"Tu, que me tens feito ver muitas angústias e males, me restaurarás ainda à vida e me tornarás a levantar dos abismos da terra."
Entretanto, antes de tirarmos conclusões precipitadas, precisamos considerar o contexto, especialmente os versículos 10 e 11:
"Pois falam contra mim os meus inimigos; e os que espreitam a minha alma consultam juntamente, dizendo: Deus o desamparou; persegui-o e prendei-o, pois não há quem o livre."
Percebendo que ele estava em completa situação de abandono, basta lermos o Salmo 88:4-6 para entender melhor:
"Sou contado com os que descem à cova; estou como homem sem força, entre os mortos lançado, como os mortos que jazem na sepultura, dos quais já não te lembras, pois foram desamparados de tua mão. Puseste-me na cova profunda, em lugares escuros, em profundidades."
Ou seja, estar desamparado por Deus, segundo a linguagem poética dos salmos, é comparado a estar morto — mesmo estando fisicamente vivo. A 'cova', a 'sepultura' e os 'abismos da terra' são figuras para estados de extrema aflição, isolamento e sofrimento. Assim, a simetria entre os textos mostra que o salmista, em ambos os casos, está clamando por restauração e livramento nesta vida, e não ensinando uma doutrina direta de ressurreição.
Salmo 49
Mas talvez o salmo mais enfático que alguém poderia citar sobre a questão da ressurreição seja o Salmo 49:15 , que afirma: "Mas Deus remirá a minha alma do poder do Sheol, pois me receberá.” No entanto, assim como o Salmo 16:10 — reconhecidamente messiânico —, esse versículo, mesmo que seja entendido literalmente como se referisse a uma futura ressurreição, não parece tratar de uma ressurreição universal, mas expressa uma esperança individual, voltada ao justo.
Alguém poderia até tentar associar essa linguagem à de Oseias 13:14, onde Deus declara: “Eu os remirei do poder do Sheol, e os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó Sheol, a tua destruição?” Curiosamente, Oseias foi contemporâneo de Isaías.
Todavia, a mesma linguagem de livramento da morte presente no Salmo 49 — como se a pessoa já estivesse na sepultura — também aparece em Salmo 30:3: “Senhor, fizeste subir a minha alma do Sheol; preservaste-me a vida para que não descesse à cova”, e em Salmo 86:13: “Pois grande é a tua misericórdia para comigo; livraste a minha alma das profundezas do Sheol.”
O Salmo 16, que trata da ressurreição de Jesus, não se encaixa nos demais exemplos por diversos motivos. Conforme explica o apóstolo Pedro em Atos 2:29–31, Davi “foi deixado no Sheol” e “o seu corpo viu a corrupção”, ao contrário de Cristo, cujo corpo não experimentou decomposição. Isso estabelece um contraste claro entre Jesus e qualquer outro ser humano. Ou seja, não se trata apenas de um livramento da morte, como vemos em outros salmos, mas de uma ressurreição real e única, onde a morte é vencida de forma definitiva.
Jesus, a lei e a ressurreição
É verdade que Jesus menciona que Moisés deixou a ressurreição implícita. No entanto, sejamos sinceros: a interpretação de Jesus foi tão profunda que provavelmente ninguém, em toda a história até aquele momento, havia considerado essa possibilidade.
Ele afirma:
"E, quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus vos declarou: 'Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó'? Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos." (Mateus 22:31-32)
Jesus extrai essa verdade a partir de um detalhe que, à primeira vista, poderia passar despercebido. Ele mostra que, se Deus continua sendo o Deus dos patriarcas, mesmo após sua morte, isso implica que eles ainda vivem para Ele e que haverá uma ressurreição. Sua interpretação revelou um aspecto das Escrituras que dificilmente alguém teria enxergado antes.
É bastante provável também que, ao dizer que para Deus todos vivem, no tempo presente (Lucas 20:38), Jesus estivesse se referindo à mesma perspectiva demonstrada nos episódios da filha de Jairo (Lucas 8:52-55) e de Lázaro (João 11:11-14): para Deus, a morte do fiel é apenas um sono temporário.
Podemos dizer, então, que a ideia da ressurreição ficou realmente clara a partir de Isaías e, depois, de Daniel. É claro que podemos sugerir que, se uma vez o homem perdeu a imortalidade em Gênesis, ele poderia recebê-la futuramente; mas isso fica apenas no campo da conjectura. Antes disso, havia apenas sinais, esperanças pessoais e frases que, quando olhadas com cuidado, não explicam a ressurreição coletiva de forma clara. Textos como o de Jó 19, Salmo 17 e Salmo 71, que muitas vezes são usados para defender um consenso entre o pode de Deus sobre a ressurreição no Antigo Testamento, na verdade, não trazem essa certeza quando lemos no contexto e entendemos o estilo poético. O próprio Jesus precisou explicar como a ressurreição já estava de forma mais escondida na Torá, porque, sem a explicação dEle, provavelmente ninguém entenderia. Isso mostra que Deus foi revelando a verdade sobre a ressurreição aos poucos, até ficar totalmente clara no Novo Testamento. Fiquem todos com Deus! Amém!

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