O verdadeiro significado do selo de Apocalipse 7
"[2] E vi outro anjo subir da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e clamou com grande voz aos quatro anjos, a quem fora dado o poder de danificar a terra e o mar, [3] dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que hajamos assinalado na testa os servos do nosso Deus. [4] E ouvi o número dos assinalados, e eram cento e quarenta e quatro mil assinalados, de todas as tribos dos filhos de Israel." Apocalipse 7:2-4 ARC
A paz do Senhor a todos! O texto que vamos explorar hoje é Apocalipse 7, uma passagem que fala sobre os 144 mil selados. Este trecho tem sido interpretado de maneiras divergentes, muitas vezes com o objetivo de sustentar doutrinas exclusivistas e defender certas organizações sectárias. Neste estudo, buscaremos compreender o verdadeiro significado das palavras de João, analisando o contexto e a mensagem que ele transmite.
Sugestões
Uma interpretação questionável do texto sagrado é a proposta pela Igreja Adventista do Sétimo Dia. Para essa denominação, o selo mencionado em Apocalipse 7 seria o sábado. Eles tentam estabelecer essa conexão ao referirem-se a Ezequiel 20:20, que diz: "Santificai os meus sábados, e servirão de sinal entre mim e vós, para que saibais que eu sou o Senhor vosso Deus" (Ezequiel 20:20, ARA). Assim, argumentam que o sábado, como mandamento, seria o principal distintivo entre o povo de Deus e as demais nações no tempo do fim. No entanto, essa interpretação carece de uma análise mais profunda do contexto bíblico e da revelação completa da Escritura.
Como se não bastasse, as Testemunhas de Jeová não ficam atrás, criando uma interpretação ainda mais estranha. Para elas, os 144 mil seriam todas as pessoas que têm a salvação garantida desde a ascensão até a vinda de Cristo. Já o restante da humanidade, que seria a grande multidão para essa denominação, teria que passar por um longo processo de aprendizado e aperfeiçoamento durante o milênio e, depois, enfrentar a provação final, quando o diabo fosse solto.
Existe também uma interpretação mais amplamente aceita no meio evangélico, que estabelece uma conexão direta com Efésios 1:13-14, onde o Espírito Santo é descrito como o selo de Deus. Segundo essa interpretação, o selo do Espírito Santo é a garantia da salvação dos crentes, marcando-os como pertencentes a Deus. Assim, os 144 mil, mencionados em Apocalipse, seriam vistos como uma representação simbólica dos fiéis selados por Deus, que têm a salvação assegurada, uma vez que o Espírito Santo é o sinal de sua autenticidade e compromisso com a redenção divina. Esta interpretação, embora interessante, eu a descarto pelos motivos que mostrarei à frente.
Começando pela interpretação adventista, uma fraqueza dessa visão está no fato de que, em Apocalipse, o selo é colocado na testa, e nãoentre Deus e os homens, como se sugere. Como se não bastasse, Ezequiel 20:20 tem como pano de fundo Êxodo 31:17. Em Êxodo 31:17, Deus declara: "Entre mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre; porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e no sétimo dia descansou e refez-se." E em Ezequiel 20:20, Ele reafirma: "Santificai os meus sábados, e serão por sinal entre mim e vós, para que saibais que eu sou o Senhor, vosso Deus." Nesse contexto, Deus não está estabelecendo algo novo, mas simplesmente relembrando ao povo algo que Ele já havia instituído, o sábado como um sinal de santificação. Isso enfraquece a ideia de que o selo em Apocalipse se refere a uma nova relação ou um novo mandamento entre Deus e os homens, já que, em Ezequiel, Ele apenas reforça o que já havia sido ordenado em Êxodo com Israel.
Outra fragilidade da interpretação está no fato de que a expressão "sinal entre mim e ti/vós" também é utilizada em outros contextos, como na circuncisão e no arco-íris, em passagens como Gênesis 17:11 e Gênesis 9:13, respectivamente. Em Gênesis 17:11, Deus diz a Abraão: "E será o sinal da aliança entre mim e vós a circuncisão." E em Gênesis 9:13, Ele diz: "Porei o meu arco nas nuvens, e será por sinal da aliança entre mim e a terra." Dessa forma, ligar o texto de Ezequiel 20 exclusivamente à ideia de um "sinal" relacionado ao sábado, sem considerar essas outras equivalências, é, no mínimo, tendencioso. Isso mostra que a expressão "sinal entre mim e vós" não se limita ao contexto sabático, mas é usada em diferentes alianças, o que amplia o entendimento das implicações do "sinal" mencionado em Ezequiel, tornando-o menos restrito a uma única interpretação.
A interpretação mais coerente
"[4] E disse-lhe o Senhor: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal as testas dos homens que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela. [5] E aos outros disse, ouvindo eu: Passai pela cidade após ele e feri; não poupe o vosso olho, nem vos compadeçais. [6] Matai velhos, e jovens, e virgens, e meninos, e mulheres, até exterminá-los; mas a todo o homem que tiver o sinal não vos chegueis; e começai pelo meu santuário. E começaram pelos homens mais velhos que estavam diante da casa." Ezequiel 9:4-6 ARC
Sejamos sinceros, não é apenas o fato de ser na testa, mas também o contexto de juízo, que é fundamental para a comparação entre Ezequiel 9 e Apocalipse 7. Em Ezequiel 9, antes de Deus trazer o julgamento sobre Jerusalém, os justos são marcados na testa, como uma forma de proteção divina contra o castigo que se aproxima. Em Apocalipse 7:3, vemos algo semelhante, onde os servos de Deus são selados na testa antes de o juízo final ser desferido. O selo, portanto, não é um símbolo de salvação eterna ou uma marca de identidade espiritual, mas, sim, um símbolo de proteção divina durante um tempo de julgamento. Esse selo serve como um meio de preservar aqueles que são fiéis a Deus, protegendo-os da destruição iminente, como é o caso tanto em Ezequiel quanto em Apocalipse, evidenciando que o selo está diretamente relacionado ao juízo divino e à proteção dos justos durante esse período de punição.
Algo semelhante é sugerido mais à frente, em Ezequiel 14:14, quando Deus afirma: "Ainda que estes três homens estivessem no meio dela, Noé, Daniel e Jó, pela sua justiça livrariam a sua alma, diz o Senhor Deus." Essa passagem ilustra a ideia de que, em tempos de juízo, a justiça de um indivíduo poderia trazer proteção para si mesmo, mas não para outros. Deus utiliza o exemplo de figuras conhecidas por sua retidão — Noé, Daniel e Jó — para enfatizar que a salvação e proteção durante o juízo dependem da fidelidade diante de Deus. Assim como em Apocalipse 7, onde os justos são selados para serem protegidos durante o juízo, essa referência em Ezequiel reforça a ideia de ser fiel, simbolizada pelo selo, traz proteção divina em tempos de julgamento.
Logo, o texto de Apocalipse 7 não está tratando de toda a história da Igreja, como sugerem nossos amigos Testemunhas de Jeová, mas sim de um período específico — o momento do juízo divino, quando Deus trará punição sobre os ímpios, mas preservará os Seus. O selo na testa, tanto em Ezequiel 9 quanto em Apocalipse 7, é um símbolo de proteção divina durante um tempo de julgamento, e não de uma marca permanente de salvação ao longo da história. A ênfase não está em um processo contínuo de salvação ou eleição, mas em um evento particular em que Deus separa os justos para protegê-los enquanto executa Seu juízo. Assim, o foco do texto é a intervenção divina em um momento específico de crise, em que aqueles que pertencem a Deus são preservados, e não uma visão abrangente sobre a salvação de toda a Igreja ao longo dos séculos.
Diante do exposto, fica claro que a interpretação mais coerente de Apocalipse 7 é compreendê-lo à luz de Ezequiel 9, como um símbolo de proteção divina para os fiéis durante um período de juízo. Outras interpretações, que carecem de uma análise aprofundada do contexto, acabam se tornando sectárias, criando divisões dentro da comunidade cristã, como ocorre com as Testemunhas de Jeová, que formam um grupo elitizado, ou mesmo com os adventistas, que utilizam o texto como base para uma doutrina exclusivista. Essas interpretações desvirtuam o verdadeiro significado da passagem, que destaca a proteção de Deus para os justos em tempos de juízo.
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