[A falta de] Textos bíblicos para o tormento temporário e proporcional seguido de aniquilação
A ideia aniquilacionista de que os ímpios passarão por um tormento temporário e proporcional antes de serem destruídos enfrenta um problema sério: a Bíblia não fala claramente disso. Para sustentar essa crença, muitos acabam forçando interpretações estranhas de textos que, no fundo, não dizem o que eles afirmam. Esse tipo de leitura ignora o contexto e até distorce o sentido mais óbvio das passagens. É como tentar encaixar uma peça que não pertence ao quebra-cabeça. Por isso, é importante verificar se essa ideia realmente bate com o que a Palavra de Deus ensina sobre o juízo final e o destino eterno.
Cada um segundo as suas obras
A expressão "cada um segundo as suas obras", mencionada em Apocalipse 20:12-13 e nos evangelhos, como em Mateus 16:27, é frequentemente utilizada pelos aniquilacionistas para defender a ideia de um tormento temporário e proporcional seguido de extermínio. Contudo, essa interpretação se sustenta apenas quando a frase é lida isoladamente, sem considerar o contexto mais amplo das Escrituras. Em Romanos 2:6-8, por exemplo, lemos:
"O qual recompensará cada um segundo as suas obras: a saber, a vida eterna aos que, com perseverança em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas indignação e ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à injustiça."
Esse texto aborda a relação entre salvação e condenação, mostrando que Deus retribuirá a cada um de forma justa, mas sem sugerir um tormento temporário ou aniquilação. A justiça divina reflete a condição espiritual da pessoa, revelada pelas obras, mas nunca contradiz o ensino claro sobre a eternidade do destino final, seja na vida eterna ou no sofrimento eterno (Mateus 25:46).
Não sairá dali até que pague o último centavo
O versículo Mateus 5:26, que diz "não sairá dali até pagar o último centavo", é frequentemente interpretado de maneira equivocada por muitos, especialmente quando se utiliza o "óculos" do sistema prisional brasileiro, onde a prisão é vista como uma forma de pagamento da dívida. Contudo, o texto não afirma que a pessoa ficará na prisão voluntariamente para pagar, mas que ela não sairá até que a dívida seja quitada. Isso reflete uma prática da época, onde o devedor era pressionado a buscar recursos de sua família ou amigos para resolver a dívida. Não se trata de uma ideia de punição como uma forma de pagamento direto, mas de uma pressão social para que o débito fosse liquidado.
Além disso, essa leitura do versículo entra em contradição com a lógica de que, se a pessoa já pagou a dívida, por que ela seria aniquilada depois? Esse tipo de interpretação não faz sentido dentro de qualquer contexto cultural, seja antigo ou moderno.
Uma referência importante para compreender melhor essa passagem está em Mateus 18:23-35, onde Jesus conta a parábola do servo que devia dez mil talentos — uma quantia tão alta que tornava a dívida impagável. Esse servo é entregue aos atormentadores até que pague o que deve, mas, como sabemos, ele nunca poderia pagar tamanha dívida. O ponto crucial dessa parábola é que a dívida simboliza o pecado, algo que o ser humano não pode pagar por si mesmo. Portanto, assim como o servo não conseguiria pagar os dez mil talentos, o homem também não conseguirá saldar sua dívida com Deus, que é o pecado. A ideia de que alguém poderia "pagar" seu pecado e sair do tormento contradiz o ensino bíblico sobre a impossibilidade de saldar essa dívida sem a intervenção de Cristo. Isso reforça a visão de que a pessoa nunca sairá do lugar de tormento, pois, assim como o servo na parábola, ela nunca conseguiria pagar por si mesma.
Recebereis mais severo juízo
Muitos e poucos açoites
"[45] Mas, se aquele servo disser consigo mesmo: Meu senhor tarda em vir, e passar a espancar os criados e as criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, [46] virá o senhor daquele servo, em dia em que não o espera e em hora que não sabe, e castigá-lo-á, lançando-lhe a sorte com os infiéis. [47] Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites. [48] Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão." (Lucas 12:45-48, ARA)
O primeiro questionamento que surge ao ler este texto é: onde está escrito que o servo, após receber as açoitadas, seria executado? Em lugar nenhum! Pelo contrário, segundo a lei de Moisés, o número de açoites era limitado a 40 (Deuteronômio 25:3), e, se o senhor causasse algum dano físico permanente ao servo, este ganharia sua liberdade (Êxodo 21:26-27). Assim, o que resta são inferências baseadas no que o texto não diz.
Alguns, talvez, tentem associar esse texto a outros que mencionam execução, como Malaquias 4, amplamente citado por determinados grupos. Todavia, se basearmos nossa análise em inferências, isso deixa de ser interpretação bíblica séria. Seguindo essa lógica, poderíamos até especular que, no juízo final, alguns seriam reconciliados mediante castigos, enquanto outros seriam executados — uma tese igualmente sem fundamento bíblico. De fato, a própria lei mosaica reconhecia diferentes graus de punição: enquanto certos pecados graves levavam à pena de morte, outros resultavam em castigos menores, como açoites.
No entanto, nenhuma dessas interpretações encontra suporte no texto. Por exemplo, tanto em Lucas 12 quanto em Mateus 25, as pessoas referidas são descritas como servos maus que reconhecem Jesus como Senhor (v. 44). Esses servos, independentemente de suas ações, enfrentam um castigo eterno. Caso Lucas 12 realmente sugira uma gradação de castigo, ela seria em termos de intensidade, e não de duração, que é igualmente infinita para todos. . Em Mateus, o servo incompetente é lançado nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes (Mateus 25:30). Judas, ao falar dos maus obreiros, afirma que estão destinados à escuridão eterna (Judas 13). Portanto, enquanto as Escrituras são claras quanto ao tormento eterno, a ideia de um tormento proporcional seguido de aniquilação é um produto de interpretações fragmentadas e mal fundamentadas.
Há, ainda, quem recorra ao significado do verbo grego usado no versículo 46, “dichotomeo”, que literalmente significa “dividir ao meio”. Alguns poderiam, mais uma vez, inferir que o servo seria cortado ao meio após as chicotadas. Contudo, o texto paralelo em Mateus 24:51 apresenta um problema para essa interpretação: após o servo ser “dichotomeo”, ele ainda experimenta “choro e ranger de dentes”, evidenciando consciência.
Historicamente, sabe-se que chicotadas severas podiam cortar a pele, "dividindo-a em partes", o que se alinha perfeitamente tanto ao texto de Mateus quanto aos açoites mencionados em Lucas 12. Além disso, uma outra possibilidade seria interpretar o verbo como "separar", como fazem algumas traduções, já que em Mateus 10:35, que utiliza uma palavra com o mesmo radical, essa ideia de divisão é evidente. Assim, biblicamente, o servo mau seria separado para o lugar reservado aos infiéis ou hipócritas, onde, segundo as Escrituras, haveria choro e ranger de dentes.
Mesmo que o termo “dividir ao meio” fosse entendido literalmente, a ideia mais coerente seria considerar diferentes graus de punição. Pecados mais graves poderiam justificar severas execuções, enquanto erros menos graves resultariam em muitos ou poucos açoites. Além disso, é difícil imaginar que um senhor executaria um servo por ignorância, especialmente quando o próprio texto faz uma distinção clara entre o que agiu com conhecimento e o que não sabia.
Outro ponto a ser considerado é que as parábolas de Jesus são baseadas em realidades da época. Ninguém questiona que, nos dias de Jesus, era comum os senhores deixarem seus servos cuidando de seus bens, ou que servos maus fossem castigados por sua negligência. Da mesma forma, a parábola do Rico e Lázaro reflete crenças populares sobre o pós-morte no século I. Assim, é natural que Jesus utilizasse elementos conhecidos para transmitir verdades espirituais.
Chegamos, então, ao ponto central: a prova textual. A Bíblia contém várias passagens que falam de uma punição eterna (Mateus 25:46, Apocalipse 14:11). Por outro lado, a ideia de tormento temporário e proporcional seguido de aniquilação é baseada em uma leitura seletiva e equivocada de textos, frequentemente extraída de parábolas — algo que muitos aniquilacionistas relutam em usar para fundamentar doutrinas. Essa inconsistência é evidente e deveria ser motivo de vergonha para quem a tem.
No caso de Lucas 12, não podemos afirmar com absoluta certeza se haverá gradação no castigo ou se o texto apenas indica que a responsabilidade de prestar contas a Deus de alguns será maior. De fato, o princípio de que "a muito é dado, muito é pedido" parece se aplicar aqui (Lucas 12:48). Pastores, por exemplo, prestarão contas tanto por si mesmos quanto por seus rebanhos (Hebreus 13:17), enquanto um crente comum responderá apenas por suas próprias ações (2 Coríntios 5:10). Esse princípio sugere que aqueles que têm maior responsabilidade e conhecimento têm maior obrigação de cumprir os deveres que lhes foram confiados, o que também pode ser uma possibilidade interptretativa. Todavia, o fato de haver açoites ligados a vinda de Jesus faz com que a interpretação dos graus de castigo se manter como a mais provável.
Filosofando em cima de argumentos filosóficos
Um ponto para refletirmos também, é o conceito de justiça de nossos amigos. Os aniquilacionistas costumam afirmar que o tormento eterno para diferentes transgressores, como um ladrão de galinha e um serial killer, é incompatível com a justiça divina, mesmo que a intensidade do sofrimento de ambos seja distinta. Pensando na perspectiva de "justiça" defendida por esses amigos, imagine um ladrão que, após certo período de tormento, conforme seus pecados, é finalmente extinto. Para que aniquilar, se ele já teria "pago" pelos seus crimes? Isso seria realmente justiça? Ele já não teria cumprido sua pena? No entanto, essa visão ignora o que Hebreus 10:29 deixa claro: um castigo mais severo que a morte está reservado para aqueles que desprezam a nova aliança. A justiça de Deus não é uma simples questão de tempo ou intensidade do sofrimento, mas uma questão de ofensa à Sua santidade. Mesmo os pecados aparentemente menores, quando contra um Deus infinitamente justo, exigem uma resposta proporcional à Sua grandeza, o que nos leva a entender que o juízo eterno reflete a seriedade da transgressão contra o Criador, independentemente da percepção humana de "duração" ou "intensidade" do castigo.
Na realidade, nossos amigos parecem ter tentado melhorar o universalismo (falsa doutrina que acredita ser todos salvos no fim de tudo) ao substituir a reconciliação com Deus pela extinção do ímpio após um tormento temporário. No entanto, ao fazê-lo, criaram uma perspectiva filosófica estranha e imoral, sugerindo um Deus que mata o ímpio após ele ter supostamente cumprido a pena por seus erros. Matar uma pessoa após ela ter pago pelos seus crimes nunca foi e nunca será considerado justiça verdadeira. Isso distorce o entendimento de um juízo justo, pois a justiça divina não pode ser reduzida a uma sentença de morte após um processo de punição temporária, mas sim a uma separação eterna daqueles que rejeitam o bem e a verdade.
Pelo menos os universalistas são coerentes em sua visão, ao defenderem que todos, no fim, serão reconciliados com Deus. Em contraste, os aniquilacionistas, na tentativa de justificar a destruição final dos ímpios, argumentam que estes serão exterminados após sofrerem tormentos por não crerem em Jesus. No entanto, isso entra em conflito com a Escritura, que afirma que "toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor" (Filipenses 2:11), indicando que, no final, até aqueles que rejeitaram a fé irão reconhecer a soberania de Cristo. Além disso, nas próprias parábolas de Jesus, as pessoas, embora desobedientes, são tratadas como servas, responsáveis por suas ações, mas não simplesmente destruídas após a punição. Por uma questão de lógica, o universalismo, embora também errôneo em sua concepção de reconciliação universal, é mais coerente ao não sugerir um Deus que destrói o ímpio depois deste pagar pelos seus erros, o que seria uma distorção da justiça divina.
Em conclusão, a ideia aniquilacionista, que busca justificar o tormento temporário seguido de aniquilação dos ímpios, carece de respaldo bíblico sólido. As passagens frequentemente citadas por seus defensores não oferecem suporte à interpretação de um tormento transitório e proporcional, mas, ao contrário, afirmam claramente a eternidade do juízo divino. Por meio de uma leitura atenta e contextual das Escrituras, fica evidente que o destino final dos ímpios, como ensinado por Jesus e pelos apóstolos, é um tormento eterno, sem possibilidade de extinção. Assim, qualquer tentativa de reformular esses ensinamentos, forçando interpretações que não condizem com o texto sagrado, acaba por distorcer a mensagem bíblica e enfraquecer a verdade do juízo final e do destino eterno.
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