Isaías 9 é uma profecia messiânica?
A paz do Senhor! No contexto de debates teológicos e interpretações diversas, o texto de Isaías 9 emerge como um ponto controverso no meio judaico-cristão. Para nós, cristãos, a presença do nome de Jesus neste texto é frequentemente vista como uma confirmação direta de Sua messianidade e cumprimento das profecias. Em contraste, para muitos judeus e até mesmo ateus, o texto é compreendido de forma mais histórica e direta, referindo-se ao rei Ezequias, sem conotações messiânicas ou escatológicas. Este contraste de interpretações evidencia as complexidades na exegese bíblica e nas diferentes perspectivas religiosas. Mas quem está certo?
Para começarmos, é notório que Ezequias foi um grande rei de Judá, cujo nome significa "O SENHOR é Fortaleza", uma expressão que lembra muito "Deus forte" mencionado em Isaías 9. Ezequias é amplamente reconhecido por ter conduzido uma significativa reforma política e religiosa em sua época. Além disso, o fato de que os verbos no texto de Isaías 9 estejam no passado, e não no futuro, pode aparentar favorecer a perspectiva anticristã sobre ser Ezequias a pessoa do capítulo, se não atentarmos para outros detalhes.
Um problema inicial com a perspectiva anticristã é a semelhança notável entre o texto de Isaías 9 e Isaías 11, que é amplamente aceito como messiânico. Isaías 9:6 descreve um ser com títulos como "Maravilhoso Conselheiro", "Deus Forte", "Pai da Eternidade" e "Príncipe da Paz". Esses títulos refletem atributos que vão além das características humanas, sugerindo uma natureza divina e um papel messiânico. Por outro lado, Isaías 11:1-2 fala de um renovo que sairá do tronco de Jessé, descendente de Davi, e sobre o qual repousará o "Espírito do Senhor", incluindo o "Espírito de sabedoria e de entendimento", o "Espírito de conselho e de fortaleza". As semelhanças entre os títulos (como mostrado em negrito) e descrições dos dois textos apontam para a identidade messiânica, indicando que a pessoa mencionada em Isaías 9 é, de fato, o Messias prometido. A continuidade desses temas e características reforça a interpretação de que Isaías 9 está se referindo a uma figura messiânica, e não meramente ao rei Ezequias.
A interpretação de que os verbos no passado em Isaías 9 indicam uma referência ao rei Ezequias é problemática quando consideramos o contexto dos capítulos anteriores. Enquanto Isaías 9 usa verbos no passado, sugerindo que o povo já havia passado por tribulação, Isaías 8, logo antes, profetiza sobre uma provação futura que o povo enfrentaria. No início de Isaías 8, está explícito que o povo passaria por uma crise que ainda estava por vir: "O Senhor me disse: 'Toma uma grande tábua e escreve nela com um instrumento de homem: ‘Apresse-se a pilhagem, apresse-se a despojar’" (Isaías 8:1). Esse contraste entre o passado em Isaías 9 e a previsão de tribulação futura em Isaías 8 sugere que Isaías 9 está se referindo a uma promessa de esperança e restauração após uma futura provação, alinhando-se mais com uma expectativa messiânica do que com uma referência histórica a Ezequias.
"O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte resplandeceu-lhes a luz". (Isaías 9:2 NAA)
Agora compare com o versículo abaixo:
"[22] Olharão para a terra, e eis aí angústia, escuridão e sombras de ansiedade; e serão lançados em densas trevas." (Isaías 8:22 NAA)
Note que os verbos no passado para eventos futuros são apenas um estilo literário. Caso contrário, o texto teria uma verdadeira contradição, em que, no capítulo 8, Isaías falaria de uma aflição futura e, no 9, que é praticamente a continuação da ideia, que essa tribulação já tinha ocorrido. Não se esqueça que a Bíblia, no original, não tem divisão de capítulos, sendo os dois mencionados o mesmo texto.
Usar verbos no passado para eventos futuros não é algo comum apenas em Isaías 9. Nem os judeus, nem os intérpretes liberais afirmam que Israel, no tempo de Isaías, já havia levado sobre si o pecado dos povos. Para eles, o capítulo 53 de Isaías refere-se ao exílio babilônico, que é posterior ao período de Isaías (capítulo 47). Embora os verbos estejam no passado, isso não implica, portanto, que os eventos já ocorreram. Esse uso do passado para descrever eventos futuros é um recurso literário frequente nas profecias de Isaías, reforçando a certeza de seu cumprimento.
Por exemplo, em Isaías 53: "Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele" (Isaías 53:5, TB). No tempo de Isaías, o "servo" ainda não havia sofrido, e essa antecipação do futuro é característica do estilo profético.
Mesmo que alguém opte por interpretar o texto em referência também ao exílio assírio, o uso correto dos tempos verbais deveria estar no presente para validar essa interpretação, visto que os eventos já estariam ocorrendo no período de Isaías. No entanto, o fato de os verbos estarem no passado sugere claramente que o profeta está falando de algo ainda por vir, conferindo à profecia um caráter escatológico. Até uma interpretação liberal, que coloca essa parte do livro no período pós-exílico, enfrenta dificuldades em afirmar que essa profecia se cumpriu plenamente, pois, mesmo após o exílio, os eventos descritos não foram totalmente realizados.
Ademais, embora o nome Ezequias, que significa "O Senhor Fortalece", possa lembrar o título "Deus Forte" de Isaías 9:6, as palavras no hebraico são bem diferentes. No caso de Ezequias, "fortalece" vem da palavra "chazaq", que quer dizer dar força ou tornar mais firme. Já em Isaías 9:6, o termo "forte" vem de "gibor", que significa um herói ou guerreiro poderoso. Essa diferença mostra que, enquanto um fala sobre Deus dando força para alguém, o outro fala sobre Deus como um guerreiro poderoso.
"Ele estenderá o seu governo, e haverá paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e para o firmar com juízo e com justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto". (Isaías 9:7 NAA)
Isaías 9:7 aponta claramente para o cumprimento da profecia no Messias, e não no rei Ezequias. Embora Ezequias tenha sido um rei justo em Judá, o escopo da profecia vai além de qualquer governante humano. O texto fala de um reino sem fim, estabelecido com paz, justiça e retidão, algo que não se cumpriu plenamente no reinado de Ezequias. Além disso, a promessa de que o governante estaria "sobre o trono de Davi" e reinaria eternamente só pode se referir ao Messias prometido, Jesus Cristo, cuja vinda inaugurou um reino espiritual que se estende até a eternidade. A referência a um governo de paz que não terá fim, firmando-se em justiça perfeita, transcende o governo terreno de Ezequias, apontando para o reinado celestial e eterno de Cristo.
É claro que sempre há aqueles com ideias mirabolantes. Certos negadores do Senhor advogam que Ezequias deveria ser o Messias, mas devido à sua atitude reprovável em 2 Crônicas 32:25, Deus não cumpriu essa promessa. Essa afirmação é tão ridícula por dois motivos, principalmente. O primeiro é que não existe essa informação no texto sagrado. O segundo é que o próprio texto diz que o zelo do Senhor faria que aquilo acontecesse, dando garantia absoluta sobre o cumprimento daquilo que foi exposto.
Como se não bastasse, a expressão "desde agora", presente em Isaías 9:7, impossibilita uma interpretação cronologicamente literalista dessa profecia em relação a Ezequias. Se tomássemos essa frase de forma literal, teríamos que admitir que a paz e a justiça prometidas começariam imediatamente com o seu governo. No entanto, o próprio Isaías, no capítulo anterior, deixa claro que haveria conflitos futuros, o que contraria a ideia de paz contínua desde o início. Além disso, sabemos que o reinado de Ezequias não foi caracterizado por paz desde o princípio, enfrentando ameaças de guerra, especialmente da Assíria. Isso evidencia que a promessa de paz eterna e imediata não pode se referir a Ezequias, mas sim ao reino eterno do Messias, cujo governo é de paz duradoura e justiça verdadeira, como o próprio texto profético anuncia.
Em suma, a análise de Isaías 9 revela a complexidade das interpretações teológicas que cercam este texto, evidenciando um contraste significativo entre a perspectiva messiânica cristã e a interpretação histórica judaica relacionada a Ezequias. Os títulos atribuídos à figura central, o uso de verbos no passado, e a continuidade temática com Isaías 11, sustentam a ideia de que o texto aponta para um Messias divino, cuja vinda traria esperança, paz e justiça eternas. Embora Ezequias tenha sido um rei notável, suas conquistas e seu governo não se alinham com as promessas de um reino perpétuo e perfeito. Assim, a compreensão de Isaías 9 como uma profecia messiânica em relação a Jesus Cristo se mostra mais consistente e coerente com o contexto maior das Escrituras, reforçando a expectativa de um redentor que transcende a história imediata e aponta para um futuro glorioso.
Comentários
Postar um comentário