Decreto dominical na Bíblia?
A interpretação do "decreto dominical" como um evento profético iminente, onde um poder governamental e religioso imporia a observância obrigatória do domingo em lugar do sábado, é uma ideia infundada e baseada em uma exegese pobre dos textos bíblicos. Uma análise cuidadosa das passagens frequentemente citadas para sustentar essa teoria revela que elas não suportam tal interpretação.
Daniel 7:25 à Luz de Daniel 2:21, 11:31 e Apocalipse 13
Em Daniel 7:25, lemos que um poder opressor "cuidará em mudar os tempos (do hebr. zeman) e a lei". Alguns interpretam isso como uma referência à alteração do sábado para o domingo. No entanto, uma leitura mais contextualizada sugere que o "mudar os tempos" deve ser entendido à luz de Daniel 2:21, onde está escrito que Deus "muda os tempos e as épocas (zeman); remove reis e estabelece reis". Aqui, o foco está na soberania de Deus sobre a história, onde Ele é o único capaz de determinar a sucessão dos reinos e o curso dos eventos. A tentativa de "mudar os tempos" em Daniel 7:25, portanto, não se refere a mudanças no calendário ou dias de adoração, mas sim a uma usurpação da autoridade divina, uma tentativa de alterar a ordem estabelecida por Deus.
Em Daniel 11:31, o texto fala da "abominação desoladora" e da cessação do "contínuo", o que sugere uma interrupção da verdadeira adoração e a introdução de práticas idolátricas. Essa ideia de subversão da adoração verdadeira se conecta diretamente com Apocalipse 13, onde a besta promove a idolatria, levando as pessoas a adorarem a sua imagem. O poder mencionado em Daniel 7:25, portanto, que busca alterar leis, irá desviar a adoração de Deus para si, em sintonia com a descrição de Apocalipse 13. Enquanto a lei de Deus proíbe a idolatria, o filho da perdição a promoverá.
Apocalipse 7 à Luz de Ezequiel 9
Apocalipse 7 fala sobre o selamento dos servos de Deus em suas testas, um ato que representa proteção divina e fidelidade a Deus. Este selamento possui uma forte semelhança com o que ocorre em Ezequiel 9, onde lemos sobre um "homem vestido de linho, que tinha o tinteiro de escriba à sua cintura" que recebe a ordem de passar pela cidade de Jerusalém e "pôr um sinal na testa dos homens que suspiram e gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela" (Ezequiel 9:4).
Assim como em Ezequiel, onde o selo na testa simboliza a proteção divina e a marca dos que permanecem fiéis a Deus em meio à apostasia, o selo em Apocalipse 7 identifica os servos de Deus, protegendo-os dos juízos que estão por vir sobre a terra. Em ambos os textos, o foco está na fidelidade espiritual e na separação dos justos dos ímpios, não em um sinal externo ou observância de um dia específico. Esse selo não está relacionado a um dia de adoração, mas à marca espiritual de lealdade e compromisso com Deus em tempos de grande crise.
Por outro lado, Ezequiel 20:20 menciona o sábado como um "sinal" entre Deus e Israel, mas esta passagem deve ser lida à luz de Êxodo 31:17, que descreve o sábado como um "sinal perpétuo" entre Deus e os israelitas. Isso indica que o sábado era um distintivo dado especificamente ao povo de Israel, e não um mandamento universal aplicado a todas as nações e épocas. Portanto, o selo de Apocalipse 7 simboliza lealdade e proteção divina, sem uma correlação direta com a observância do sábado.
Apocalipse 14:6-7 e a Questão da Adoração
Em Apocalipse 14:6-7, um anjo proclama o "evangelho eterno" e chama as pessoas a "adorar aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas". Alguns tentam associar essa passagem diretamente ao quarto mandamento em Êxodo 20, onde Deus ordena a observância do sábado, justificando que essa menção à criação remeteria ao sétimo dia de descanso. No entanto, essa ligação é forçada e teologicamente insustentável.
A expressão "aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas" em Apocalipse 14:7 é uma exaltação ao Criador e aparece em outros contextos bíblicos que não estão relacionados ao sábado:
Salmo 135:6: "Tudo quanto o Senhor quis, ele o fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos."
Salmo 146:6: "O que fez os céus e a terra, o mar e tudo quanto há neles; o que guarda a verdade para sempre."
Esses textos mostram que a expressão usada em Apocalipse 14:7 é um chamado à adoração ao Criador, sem implicar diretamente na observância de um dia específico. A tentativa de conectar Apocalipse 14:6-7 ao quarto mandamento de Êxodo 20:8-11 falha porque o contexto em Apocalipse é sobre a adoração ao Criador em oposição à adoração à besta mencionada em Apocalipse 13, onde a besta promove a adoração idólatra.
A correlação mais significativa aqui é com Apocalipse 13, onde vemos que a besta exige adoração e engana as nações, desviando-as da verdadeira adoração ao Deus Criador. Apocalipse 13 descreve a adoração à besta e à sua imagem, enquanto Apocalipse 14:6-7 contrasta isso com o chamado à adoração ao verdadeiro Deus, o Criador de todas as coisas.
Apocalipse 13:7-8 ARC
"[7] E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre toda tribo, e língua, e nação. [8] E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo."
Apocalipse 14:6-7 ARC
"[6] E vi outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a terra, e a toda nação, e tribo, e língua, e povo, [7] dizendo com grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, porque vinda é a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas."
A ideia de um "decreto dominical" como cumprimento das profecias bíblicas é insustentável quando examinada à luz de uma exegese correta das Escrituras. Daniel 7:25, em seu contexto, fala de uma tentativa de subverter a soberania de Deus e a verdadeira adoração, não de mudar dias de adoração. Apocalipse 7, interpretado à luz de Ezequiel 9, mostra que o selo de Deus está relacionado à fidelidade espiritual e proteção divina, sem vínculo com a observância do sábado. Apocalipse 14:6-7, por sua vez, ao contrário das tentativas de associá-lo a Êxodo 20, não fala do sábado, mas de um chamado universal à adoração ao Criador, contrastando com a falsa adoração promovida pela besta em Apocalipse 13. O foco dessas passagens é a quem deve ser prestada a verdadeira adoração — à besta, que representa a falsidade e a idolatria, ou a Deus, o Criador, que merece a adoração de todos os povos.
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