A Nova Aliança na Antiga

 


A paz do Senhor! Hoje abordarei a doutrina da Nova Aliança no contexto da Bíblia Hebraica, que é composta exclusivamente pelo Antigo Testamento. Para nós, que vivemos em um país predominantemente cristão, esse tema pode parecer evidente. No entanto, para os judeus ortodoxos, o conceito cristão de que Jesus é o mediador de um novo pacto é completamente estranho ao judaísmo. Diante disso, vamos nos concentrar apenas no Antigo Testamento para verificar se realmente podemos encontrar traços do cristianismo nele.

"Eis que vêm os dias, diz Jeová, em que farei uma nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não segundo a aliança que fiz com seus pais no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egito (essa aliança eles invalidaram, ainda que eu me desposei com eles, diz Jeová). Mas esta é a aliança que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz Jeová: Imprimirei a minha lei no seu interior e a escreverei no seu coração; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará mais cada um ao seu próximo, dizendo: ‘Conhece a Jeová’, porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior deles, diz Jeová. Pois perdoarei a sua iniquidade e não me lembrarei mais dos seus pecados." (Jeremias 31:31-34 TB)

Qualquer pessoa, inclusive um judeu, admitirá o que está claramente no texto. No entanto, muitos discordarão da interpretação cristã de que essa Nova Aliança é realizada através de Jesus, que seria o cumprimento de todo o sistema sacerdotal, sacrificial e das solenidades de Israel. Para eles, a Nova Aliança descrita por Jeremias pode significar simplesmente o retorno do povo de Deus à fidelidade. Embora essa interpretação também seja válida, ela não esgota o significado que os cristãos atribuem a essa passagem.

Entretanto, é importante destacar o contraste entre Jeremias e o padrão da Antiga Aliança. Veja:

“Deu a Moisés, depois que acabara de falar com ele no monte Sinai, as duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.” (Êxodo 31:18 TB)

No Antigo Testamento, pedras serviam como testemunhas das alianças. Note que Jeremias contrapõe a pedra, testemunha da aliança, ao coração. Na antiga aliança, as pedras eram o símbolo do pacto; na nova aliança, o coração transformado por Deus é o novo testemunho.

Outro contraste aparece com o livro da lei, que também simbolizava a aliança:

“E enviou alguns jovens dos filhos de Israel, os quais ofereceram ao Senhor holocaustos e sacrifícios pacíficos de novilhos. Moisés tomou metade do sangue e o pôs em bacias; e a outra metade aspergiu sobre o altar. E tomou o livro da aliança e o leu ao povo; e eles disseram: Tudo o que falou o Senhor faremos e obedeceremos. Então, tomou Moisés aquele sangue, e o aspergiu sobre o povo, e disse: Eis aqui o sangue da aliança que o Senhor fez convosco a respeito de todas estas palavras.” (Êxodo 24:5-8 ARA)

“Porém os filhos deles não matou, mas fez segundo está escrito na Lei, no Livro de Moisés, no qual o Senhor deu ordem, dizendo: Os pais não serão mortos por causa dos filhos, nem os filhos por causa dos pais; cada qual será morto pelo seu próprio pecado.” (2Crônicas 25:4 ARA)

Agora, vejamos outro trecho que também fala sobre aliança:

“Eis que envio eu o meu mensageiro, e ele há de preparar o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o Anjo da Aliança, no qual vós vos agradais, eis que ele vem, diz SENHOR dos Exércitos.” (Malaquias 3:1)

Tanto judeus quanto cristãos concordam que o “mensageiro da aliança” e o “Senhor” referem-se ao Messias. É difícil negar que a aliança mencionada por Jeremias não seja a mesma de Malaquias, já que ambos os textos estão em um contexto escatológico. Ao analisarmos a descrição do mensageiro, observamos uma função semelhante àquela descrita anteriormente:

“Sentar-se-á como fundidor e purificador de prata; purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata. Eles farão a Jeová ofertas em justiça.” (Malaquias 3:3 TB)

Ou seja, na aliança de Jeremias, a lei será escrita no coração do povo; em Malaquias, o povo será completamente purificado. É difícil negar que se tratam do mesmo evento. Afinal, se a lei já estaria no coração dos judeus, por que o Messias precisaria trazer outro pacto e purificar o povo?

Mais um texto que esclarece a questão da aliança:

“Eis o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, no qual a minha alma se agrada. Tenho posto sobre ele o meu Espírito, e ele fará sair juízo às nações. Não clamará, nem levantará, nem fará ouvir a sua voz na rua. Não quebrará a cana rachada, nem apagará a torcida que fumega; com verdade fará sair o juízo. Não se apagará, nem será quebrado, até que estabeleça o juízo na terra; e as ilhas esperarão a sua lei. Assim diz o Deus, o SENHOR, que criou os céus e os estendeu; que alargou a terra e o que dela procede; aquele que dá respiração ao povo que está sobre ela e espírito aos que andam nela. Eu, o SENHOR, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela tua mão, conservar-te-ei e te porei para aliança do povo, para luz dos gentios.” (Isaías 42:1-6)

Aqui, novamente, encontramos alguém que será mediador de uma aliança com o povo. Vale destacar que o termo “aliança” em Isaías, Jeremias e Malaquias é o mesmo. A função do pacto descrito em Isaías segue o mesmo princípio. O profeta afirma que o povo está afastado de Deus, e assim como Jeremias e Malaquias, a proposta é conduzir o povo de volta ao caminho do Senhor. Veja:

“Pois o SENHOR tem derramado sobre vós o espírito de profundo sono, tem fechado os vossos olhos, que são os profetas, e tem coberto de véu as vossas cabeças, que são os videntes. Toda a visão já se vos tornou como as palavras de um livro selado, que se dá ao que sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele responde: Não posso, porque está selado; e dá-se o livro ao que não sabe ler, dizendo: Lê isto, peço-te; e ele responde: Não sei ler. Disse o Senhor: Como este povo se chega para mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem apartado para longe de mim o seu coração, e como o temor que de mim tem é mandamento de homens que lhes tem sido ensinado, portanto eis que continuarei a fazer no meio deste povo uma obra maravilhosa, sim, uma obra maravilhosa e um portento; a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus prudentes se esconderá. Ai dos que escondem profundamente do SENHOR o seu conselho, dos que fazem as suas obras às escuras e dizem: Quem nos vê? Quem nos conhece? Ah! A vossa perversidade! Acaso, o oleiro há de ser reputado como barro, de modo que a obra diga de quem a fez: Ele não me fez; ou a coisa formada diga de quem a formou: Ele não tem entendimento? Acaso, dentro ainda de muito pouco tempo, não se converterá o Líbano num campo fértil, e não será tido um campo fértil como um bosque? Naquele dia, os surdos ouvirão as palavras do livro, e os olhos dos cegos verão dentre a escuridão e dentre as trevas.” (Isaías 29:10-18)

Agora, compare:

“a fim de abrir os olhos cegos, e de tirar da prisão os presos, e da casa do cárcere os que estão sentados nas trevas.” (Isaías 42:7 TB)

Fica claro que esse é o Messias, e da mesma forma, em Daniel, temos a descrição da morte de um príncipe ungido 483 anos após a palavra de restauração de Jerusalém e antes do ano 70 d.C.:

“Sabe, pois, e entende que desde a saída da palavra para restaurar e para edificar a Jerusalém até o um príncipe ungido haverá sete semanas; e em sessenta e duas semanas estará reedificada com rua e fosso em tempos angustiosos. Depois de sessenta e duas semanas, será exterminado o ungido e não terá nada; e o povo do príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário; ele acabará num dilúvio, e até o fim haverá guerra; desolações são determinadas. Ele fará uma firme aliança com muitos por uma semana; na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oblação; sobre a asa das abominações virá o assolador; e até a consumação, que é determinada, será derramada ira sobre o assolador.” (Daniel 9:25-27)

O texto descreve um governante ungido que morreria após a sexagésima nona semana e a destruição de Jerusalém. Quando observamos as descrições de Malaquias 3, o texto afirma que o Senhor, o mensageiro da aliança, viria ao Templo. Isso nos dá um indício para conectar o Senhor e o príncipe como sendo a mesma pessoa.

No capítulo 53 de Isaías, vemos uma das mais claras descrições do Messias, destacando seu papel como sacrifício e intercessor da parte de Deus. A passagem revela o profundo sofrimento que Ele enfrentaria, sendo "esmagado" e "contado com os transgressores" (Isaías 53:10-12), tomando sobre si as iniquidades de muitos. Esse sacrifício não apenas expiaria os pecados, mas também justificaria a muitos, uma função ligada ao sacerdócio messiânico. O final do capítulo 53, que menciona a intercessão pelos transgressores, reforça esse papel sacerdotal.

Esse sacerdócio é claramente reafirmado no Salmo 110, onde Deus promete ao Senhor: "Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Salmos 110:1, 4). Essa passagem não só confirma a função sacerdotal eterna do Messias, mas também o coloca à direita de Deus, um lugar de honra e autoridade. A expressão "direita de Deus" é emblemática, remetendo à presença divina sobre a Arca da Aliança, onde Deus habitava "entre os querubins" (1 Samuel 4:4; Isaías 37:16).

O trono de Deus, simbolizado pela Arca, aponta para o próprio céu, como mostrado em passagens como Salmos 11:4 e Isaías 66:1, onde Deus declara que "o céu é o meu trono". A estrutura do Templo, especialmente o Santo dos Santos, era uma representação terrestre do trono celestial de Deus. Querubins esculpidos e desenhados ao redor da Arca e no véu (Êxodo 26:31-34) reforçam a conexão entre o Templo e o céu.

Essa conexão entre o céu e o trono divino é ainda mais clara nas profecias messiânicas, como em Daniel 7:13, onde o "Filho do Homem" vem "sobre as nuvens do céu", recebendo domínio sobre todo o mundo. A referência à figura celestial sobre as nuvens, que herda o domínio do mundo, aponta para o Messias como um ser divino, reafirmando a promessa de um reino eterno.

O sacerdócio messiânico apresenta uma diferença notável em relação ao sacerdócio levítico. No sistema levítico, o sumo sacerdote comparecia apenas uma vez ao ano diante de uma representação simbólica do trono de Deus, o Santo dos Santos, para expiar os pecados do povo. No entanto, o Messias, como sacerdote eterno, entrou de uma vez por todas nas alturas e agora está à direita do trono verdadeiro, ao lado de Deus, intercedendo constantemente. Esta mudança destaca a superioridade do novo sacerdócio, o qual não se limita a um ritual anual, mas é exercido continuamente no céu.

Essa diferença entre o sacerdócio levítico e o messiânico é descrita como a distinção entre sombras e realidades. Tanto o autor de Hebreus como Paulo referem-se aos ritos do Antigo Testamento como "sombras" ou símbolos das realidades espirituais que agora são reveladas. Hebreus 8:4-5 e Colossenses 2:16-17 explicitam que as práticas da antiga aliança apontavam para algo maior e definitivo, cumprido em Cristo. Paulo, em Romanos 2:29, aplica um conceito espiritual à circuncisão, dizendo que a verdadeira circuncisão é a do coração, uma transformação interna, e não apenas externa.

Essa espiritualização dos ritos não é uma invenção apostólica, mas tem raízes no próprio Antigo Testamento. Deuteronômio 10:16 já exortava o povo a "circuncidar o coração", enfatizando a necessidade de uma mudança interior. O Salmo 141:2 associa a oração com o incenso oferecido no templo, mostrando uma dimensão espiritual dos rituais. E em Ezequiel 36:17, Deus repreende Israel por contaminar a terra com seus pecados, comparando sua impureza à imundícia cerimonial descrita em Levítico.

Vemos que os servos de Deus no século I, como os apóstolos, não criaram esses conceitos espirituais a partir do nada; eles já estavam presentes na antiga aliança. O Salmo 51:7, por exemplo, usa a purificação do leproso, descrita em Levítico 14:2-4, como uma analogia para o perdão dos pecados de Davi.

Assim, a Nova Aliança, que incorpora o sacrifício e o sacerdócio messiânico, é a culminação perfeita das sombras e prefigurações da antiga aliança. Os aspectos espirituais, anteriormente vislumbrados de forma simbólica no Antigo Testamento, encontram em Cristo sua realização plena e definitiva. O que antes era uma antecipação e uma tipologia, agora é manifesto em sua verdadeira essência: o sacrifício único e perfeito de Cristo substitui os sacrifícios repetidos do sistema levítico, enquanto Seu sacerdócio eterno ao lado de Deus inaugura um novo relacionamento entre o Criador e a humanidade. Por meio de Cristo, todos os aspectos da redenção, intercessão e transformação espiritual são aplicados de maneira mais clara e profunda, oferecendo a plena comunhão com Deus. Paz do Senhor!


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