Devemos seguir Levíticos 11?
A paz do Senhor! Embora já tenhamos dois mil anos de cristianismo, muitos ainda se veem obrigados a seguir as restrições alimentares descritas em Levíticos 11, acreditando que essas orientações permanecem válidas para os dias de hoje. No entanto, essa prática não corresponde à realidade do evangelho, que traz uma nova perspectiva em relação à lei e à liberdade em Cristo. Para obter uma compreensão mais profunda e evitar uma análise superficial, faremos uma abordagem que considera tanto o Antigo quanto o Novo Testamento, destacando a transição entre as alianças e o significado dessas restrições à luz do evangelho.
As restrições referentes à impureza não se limitam apenas a Levíticos 11, mas se estendem do capítulo 11 até o capítulo 15. Esses capítulos abordam diversas questões de pureza ritual, incluindo a impureza relacionada a alimentos, doenças, secreções corporais e contato com cadáveres. Em Números 19:11-13, fica claro que qualquer pessoa que tocasse em um cadáver também era considerada impura. Assim, da mesma forma que aquele que come carne de porco se tornava impuro (Levítico 11:7-8), quem tivesse contato com uma mulher após o parto (Levítico 12:2-8) ou uma mulher menstruada (Levítico 15:19-24) também se tornaria impuro. Além disso, Números 5:2-3 instrui que qualquer pessoa impura, seja por lepra, fluxo ou contato com um cadáver, deveria ser expulsa do arraial de Israel. No entanto, hoje, não vemos ninguém se preocupando em seguir essas outras restrições de pureza. Ninguém cumpriria as exigências, como a expulsão do arraial, até que a pessoa fosse purificada, algo que era parte essencial da lei para os considerados impuros (Levítico 13:45-46).
Muitos argumentam que as restrições relacionadas ao contato com uma mulher que teve parto, uma mulher menstruada ou até mesmo com um morto seriam apenas regras aplicáveis durante o período de peregrinação no deserto. No entanto, essa afirmação não corresponde à realidade bíblica. Mesmo séculos depois, essas leis continuavam a ser observadas, como vemos no Novo Testamento. Em Lucas 2:22-24, Maria, a mãe de Jesus, segue o ritual de purificação prescrito em Levítico 12:2-8 após o nascimento de seu filho. Isso demonstra que essas leis ainda eram relevantes muito tempo após o período no deserto e continuavam a ser praticadas no contexto judaico da época de Jesus.
Em primeiro lugar, devemos nos ater às aplicações neotestamentárias das leis de pureza. Assim como a circuncisão do cristão não é na carne (exterior), mas no coração (interior), como descrito em Romanos 2:29, vemos que as passagens que falam de leis de impureza são aplicadas no Novo Testamento de forma espiritual, referindo-se à impureza moral e espiritual. Em 2 Coríntios 6:17, Paulo cita Isaías 52:11, dizendo: "retirai-vos, retirai-vos, saí do meio deles, não toqueis nada imundo", mas o contexto deixa claro que o "imundo" ali se refere ao jugo desigual com os infiéis, uma referência a alianças espiritualmente impuras, e não a objetos físicos. Da mesma forma, em Apocalipse 21:27, quando João diz que "nada imundo entrará na cidade", ele alude a Isaías 52:1, mas a impureza mencionada refere-se àqueles que vivem em pecado, não à impureza ritual externa.
Paulo, em 1 Tessalonicenses 4:7, explica com clareza o que é a imundície do crente: "Porque Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santificação". Aqui, a imundície está ligada à falta de santidade e à prática do pecado, e não a rituais externos. Esse conceito é reforçado em 1 João 1:7, onde lemos que "o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado". Essa purificação é interior, envolvendo transformação de vida e santidade diante de Deus, superando as antigas leis de pureza física.
Em Levíticos 20:24-25 (A21), Deus estabelece a lei dos animais limpos e impuros com o propósito de separar o povo de Israel das demais nações: "Portanto, eu lhes disse: ‘Vocês herdarão a terra, e eu a darei a vocês como propriedade, uma terra que mana leite e mel. Eu sou o Senhor, o seu Deus, que os separei dos povos.’" E no versículo 25, ele continua: "Portanto, fareis separação entre os animais puros e impuros e entre as aves impuras e as puras; e não se tornem impuros por causa de animais, aves ou qualquer coisa que se move rente ao chão, os quais separei de vocês como impuros." A conjunção "portanto" enfatiza que essas diretrizes visavam criar uma distinção clara entre Israel e as nações ao redor.
Com essas informações, podemos compreender por que Cornélio e os gentios foram representados por animais impuros na visão de Pedro em Atos 10. Os animais impuros que Deus purificou simbolizam os gentios, cujos corações Deus também purificou pela fé, conforme Pedro afirma em Atos 15:9: "Ele não fez distinção entre nós e eles, visto que purificou o coração deles pela fé." A separação entre judeus e gentios, instituída pelas leis de pureza, é derrubada segundo Efésios 2:14, onde Paulo declara: "Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um, e destruiu a barreira, o muro de inimizade." Isso indica que a união entre judeus e gentios não se dá pela imposição dos mesmos mandamentos, mas pela fé comum em Jesus Cristo, que os une espiritualmente.
Sabendo dessa aplicação feita ao pecado e do fato de as leis de impureza terem sido dadas para fazer a separação entre o povo de Deus e as nações, fica evidente por que Paulo se refere às leis relativas a comidas e bebidas como "sombras" ou "representações das coisas futuras". Em Colossenses 2:16-17 (A21), ele escreve: "Portanto, ninguém vos julgue pelo comer ou pelo beber, ou em relação a dia de festa, lua nova ou sábado; tudo isso é sombra das coisas que hão de vir, mas o corpo é de Cristo." Essas leis, que tinham um propósito específico no contexto do Antigo Testamento, serviam como prefigurações das realidades espirituais que seriam plenamente reveladas em Cristo. Assim, as restrições alimentares e as práticas cerimoniais não são mais exigências para os crentes, pois a verdadeira separação e santidade são alcançadas através da fé em Jesus, que nos liberta das sombras e nos traz a luz da realidade do evangelho. A nova aliança em Cristo redefine o conceito de pureza, tornando-a uma questão de coração e de fé, em vez de uma observância externa de regras alimentares.
Em Colossenses 2:20-21 (A21), Paulo diz: "Se vocês morreram com Cristo para os rudimentos do mundo, por que ainda vivem como se ainda pertencessem ao mundo? Por que se submetem a regras como: 'Não toque, não prove, não manuseie'?" Aqui, os "rudimentos do mundo" referem-se a práticas que incluem regras cerimoniais e rituais que não têm valor espiritual duradouro. Essa linguagem ecoa em Gálatas 4:1-3, onde Paulo menciona a condição de estar "debaixo da lei" e afirma: "Digo, porém, que, enquanto o herdeiro é menor, em nada difere do escravo, embora seja senhor de tudo; mas está sob tutores e curadores até o tempo determinado pelo pai. Assim também nós, quando éramos menores, estávamos debaixo dos rudimentos do mundo." Esse paralelismo entre os "rudimentos do mundo" e a "lei" sugere que ambos representam uma escravidão a normas e regulamentos que limitam a liberdade espiritual.
As únicas partes da lei que realmente falam sobre não tocar, provar ou manusear são Levíticos 11-15 e Números 19, que delineiam as leis de pureza cerimonial. Em Levíticos 11:47, está escrito: "Esse é o estatuto acerca dos animais, das aves e de todos os seres vivos que se movem nas águas e de todos os seres que se arrastam sobre a terra, para fazer a diferença entre o impuro e o limpo, e entre os animais que podem ser comidos e os que não podem ser comidos." Além disso, em Levíticos 15:19-20, encontramos: "Quando uma mulher tiver fluxo de sangue por causa da sua menstruação, ficará imunda por sete dias; e todo aquele que a tocar será imundo até a tarde." E, em Levíticos 15:25: "Se a mulher tiver fluxo de sangue por muitos dias, fora do tempo da sua menstruação, ou se o fluxo continuar depois da menstruação, ficará imunda todos os dias em que durar o seu fluxo, assim como nos dias da sua menstruação; todo aquele que a tocar será imundo."
Essas proibições, que visavam manter a santidade do povo de Israel, não refletem a essência da nova aliança, pois os crentes são chamados a uma vida de liberdade e transformação em Cristo. Portanto, a conexão entre as proibições cerimoniais da lei e os rudimentos do mundo enfatiza que a verdadeira pureza não se encontra na conformidade externa a regras, mas em uma relação viva com Jesus, que purifica e transforma o coração. Assim, Paulo exorta os crentes a não se deixarem aprisionar por essas práticas legais, mas a viverem plenamente a nova vida que têm em Cristo.
Um texto querido para quem segue Levíticos 11 é Isaías 66. Nele, o profeta faz um apelo contundente sobre o destino dos "comedores de carne imunda", afirmando que esses indivíduos "morrerão" (Isaías 66:17). Este texto, na verdade, faz referência aos judeus, conforme evidenciado no início do capítulo 65, onde Deus se dirige ao seu povo (Isaías 65:1-2). É comum em textos proféticos essa mistura de tempos, onde o passado é usado para ilustrar realidades futuras. Essa técnica é evidente no fato de que o povo é trazido por animais nos versículos subsequentes (Isaías 66:20), simbolizando uma espécie de retorno ou julgamento.
Além disso, em outros profetas, como Ezequiel (Ezequiel 39:17) e Jeremias (Jeremias 47:6), há menções de espada e juízo no contexto do fim, o que torna a aplicação literal das leis de pureza cerimonial improvável nesse cenário. Embora existam muitos textos proféticos que falam de sacrifícios na era messiânica (Ezequiel 45:17; Zacarias 14:16), curiosamente, nenhum seguidor das restrições de Levíticos 11 utiliza esses textos para justificar práticas contemporâneas. Essa omissão sugere que a compreensão da lei e dos rituais de pureza foi superada pela nova revelação de Cristo, que trouxe uma nova perspectiva sobre a pureza e a relação com Deus. A verdadeira purificação e a restauração do povo de Deus se encontram na nova aliança, que transforma o coração e não se limita a regras externas.
A conclusão de nossa análise sobre as restrições de Levíticos 11 enfatiza que a verdadeira impureza do crente não reside na conformidade a regras cerimoniais, mas na condição moral e espiritual do coração diante de Deus. Assim como os impuros eram excluídos do arraial de Israel (Levíticos 13:46), aqueles que persistem na impureza espiritual enfrentarão uma separação definitiva no final dos tempos, como afirmado em Apocalipse 21:27, onde "nela não entrará coisa alguma que contamine". Portanto, é fundamental que os crentes busquem uma transformação genuína por meio de uma relação viva com Jesus, que purifica e transforma, e que não se deixem aprisionar por práticas cerimoniais que já foram cumpridas em Cristo, mas se concentrem em viver uma vida que glorifique a Deus e reflita a verdadeira santidade, preparando-se para a eternidade com Ele.
Boa noite. Grande alegria falar contigo novamente. Resumo meu comentário citando palavras de "vida eterna" do Nosso Senhor Jesus Cristo
ResponderExcluirNão é o que entra pela boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isso é que torna o homem impuro" é uma passagem da Bíblia, em Mateus 15:11-12.
❤️🙏❤️
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