A tentativa de apagar o fogo eterno com Judas 7

 


A paz do Senhor! Hoje quero abordar o tema do fogo eterno mencionado em Judas 7. Algumas pessoas defendem que o caso de Sodoma e Gomorra serve como um exemplo literal do que acontecerá no fim dos tempos. Ou seja, para elas, assim como Deus destruiu as cidades mencionadas, reduzindo a cinzas, também destruirá os ímpios no tempo do fim, acreditando estranhamente assim num fogo eterno que é temporário.

 Vejamos as passagens que fundamentam essa interpretação:

"Como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição." (Judas 1:7 ARA)

"Assim como Sodoma, Gomorra e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se corrompido como aqueles e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno." (ARC)

Acima você viu duas possíveis traduções que serão trabalhadas mais à frente. O aniquilacionista se apoia, é claro, na segunda. Essa mesma ideia sobre as cidades pecadoras é reforçada por Pedro:

"e, reduzindo a cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra, ordenou-as à ruína completa, tendo-as posto como exemplo a quantos venham a viver impiamente;" (2 Pedro 2:6 ARA)

A autoniquilação do aniquilacionismo 

Infelizmente, esse texto é frequentemente mal interpretado por defensores do aniquilacionismo, que acreditam na extinção dos ímpios no fim dos tempos. Eles argumentam que o fogo que destruiu Sodoma e Gomorra foi eterno apenas em suas consequências, ou seja, irreversível. No entanto, esse raciocínio levanta uma questão crucial: Se as cidades de Sodoma e Gomorra forem ressuscitadas no fim dos tempos, como muitos acreditam, então a destruição pelo fogo não pode ter sido de consequências eternas. Isso gera uma contradição, pois implicaria em duas destruições eternas para as mesmas cidades, o que é claramente ilógico.

Talvez alguém tente argumentar que o fogo de Sodoma e Gomorra foi eterno em suas consequências — não sobre o povo, mas sobre o local, que supostamente jamais voltaria a ser habitado. Mas é aí que o problema se agrava. O próprio arqueólogo Rodrigo Silva, defensor do aniquilacionismo, admite que Sodoma foi habitada diversas vezes após sua destruição, inclusive durante a era herodiana, período em que o próprio Judas viveu:


Este trecho foi tirado do minuto 15:00 de uma publicação do canal do próprio arqueólogo, que pode ser visto na íntegra AQUI. Pelo visto, quando se trata de aniquilacionismo, sempre há espaço para piorar, não é mesmo?

Para ilustrar a inconsistência dessa visão, basta olhar para o exemplo das Testemunhas de Jeová, que ao longo dos anos alteraram várias vezes sua posição sobre a ressurreição de Sodoma e Gomorra devido à sua crença aniquilacionista. Atualmente, acreditam que essas cidades não serão ressuscitadas, o que seria o posicionamento coerente para qualquer aniquilacionista. Afinal, se as cidades já receberam o juízo final, não haveria necessidade de uma nova ressurreição para um novo julgamento.

Além disso, essa interpretação cria um problema adicional: como conciliar a doutrina do tormento temporário seguido de aniquilação, defendida por muitos aniquilacionistas, com a destruição súbita de Sodoma e Gomorra? A Bíblia nos diz que essas cidades foram destruídas instantaneamente, sem qualquer período de tormento:

"A culpa de meu povo é maior que a de Sodoma, que foi destruída de repente, e ninguém ofereceu ajuda." (Lamentações 4:6 NVT)

As Escrituras deixam claro que todos, inclusive os habitantes de Sodoma e Gomorra, serão ressuscitados para o julgamento final. Isso é evidente na simbologia do mar, do mundo dos mortos e da própria morte entregando os mortos para serem julgados, conforme descrito em Apocalipse 20:13. Essa passagem, junto com a referência em Mateus, refuta o entendimento das Testemunhas de Jeová, que acreditam que aqueles destruídos no Dilúvio não serão ressuscitados, pois já teriam recebido o juízo de Deus:

"Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade." (Mateus 10:15)

''O mar entregou seus mortos, e a morte e o mundo dos mortos também entregaram seus mortos. E todos foram julgados de acordo com seus atos.' (Apocalipse 20:13, NVT)"

Aqui está a parte mais contraditória do aniquilacionismo:

*Testemunhas de Jeová: utilizam essa passagem para defender suas crenças, mas não acreditam que os ímpios serão destruídos por fogo literal no juízo final. Ademais, o que as Testemunhas de Jeová nunca perceberam é que o próprio texto é um tiro no pé pra elas. Segundo elas, o fogo do juízo não é literal. Entretanto, se essas cidades realmente sofreram o fogo eterno assim como no Dia do Julgamento, e lá foi fogo e enxofre assim como em Apocalipse, a conclusão mais lógica é que o fogo eterno seja literal.

  *Adventistas do Sétimo Dia: também recorrem a essa passagem, mas creem que os ímpios sofrerão tormento no fogo por um certo tempo antes de serem destruídos, algo que não ocorreu em Gênesis 19.

Ou seja, nem mesmo os que usam essa passagem para sustentar o aniquilacionismo acreditam que o juízo final será exatamente igual ao que aconteceu com as cidades.

Eterno em consequências ou em duração?

E quando você pensa que não pode piorar, o próprio contexto imediato já refuta a interpretação aniquilacionista. Além disso, o verso 13 de Judas oferece uma visão clara sobre o destino das pessoas más após o juízo:

'Estes homens são como rochas submersas em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas; ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre.' (Judas 1:12-13, ARA)

A mesma ideia é reiterada por Pedro:

'Esses tais são como fonte sem água, como névoas impelidas por temporal. Para eles está reservada a negridão das trevas.' (2 Pedro 2:17, ARA)

Assim como o fogo eterno, as trevas também são mencionadas por Jesus como o destino dos ímpios:

'Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes.' (Mateus 8:11-12, ARA)

Notem, meus irmãos, que Judas é ainda mais enfático que Jesus! Enquanto Jesus menciona apenas que os ímpios serão lançados nas trevas onde haverá lamento, Judas faz questão de afirmar que eles permanecerão lá para sempre. Vale destacar que Jesus conclui com a mesma expressão de Mateus 13:49: 'ali haverá o choro e o ranger de dentes.' Aqui, é evidente que 'trevas exteriores' é uma metáfora usada por Jesus para indicar que os ímpios estarão fora do seu Reino, conforme atestado na Bíblia. A mais provável interpretação mais  que essa expressão faça alusão às prisões dos tempos bíblicos:

“[7] para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos e do cárcere, os que jazem em trevas.” (Isaías 42:7 ARC)

Assim como o Reino de Deus é comparado a uma festa de bodas (Lucas 13:18), o inferno é descrito como uma prisão, destacando sua separação da habitação dos justos. O que estava na mente de Judas e Pedro era a ideia de separação eterna, não de aniquilação—em outras palavras, uma prisão perpétua. Isso torna estranho na perspectiva aniquilacionista que, no versículo 7, Judas mencione que os ímpios seriam incinerados como aconteceu com Sodoma e Gomorra, mas no versículo 13, ele afirme que esses mesmos ímpios seriam condenados a uma escuridão eterna, onde haveria pranto e ranger de dentes. É importante lembrar que, assim como o fogo eterno e as trevas, o próprio Senhor usou Sodoma e Gomorra como exemplos de julgamento (Lc 17:29).

Como se não bastasse, o termo "fogo eterno" é ilustrado pelo fogo da Geena (Mateus 18:8,9), um lixão em Jerusalém que permanecia aceso o ano inteiro, contrastando com a ideia de um fogo eterno apenas em suas consequências.

Outra parte da Bíblia que esclarece sobre a eternidade do fogo do inferno é Apocalipse:  

 "Mas a besta foi aprisionada, e com ela o falso profeta que, com os sinais feitos diante dela, seduziu aqueles que receberam a marca da besta e eram os adoradores da sua imagem. Os dois foram lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre." Apocalipse 19:20 ARA

"O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofreonde já se encontram não só a besta como também o falso profeta; e serão atormentados de dia e de noite, pelos séculos dos séculos". Apocalipse 20:10 ARA

O texto é mais do que claro em mostrar o mesmo lago de fogo mais de mil anos após a besta e o falso profeta serem lançados nele. O fato mais interessante é que a expressão "serão atormentados", que está no plural, refere-se ao diabo, à besta e ao falso profeta, que (neste caso, os dois últimos) há mais de um milênio já estavam sob castigo, e continuariam sofrendo pelos séculos dos séculos. Na mentalidade de um aniquilacionista, isso é impossível, já que os ímpios não terão imortalidade, e obviamente não terão capacidade de viverem mais de mil anos. Ou seja, como mostrado na Palavra de Deus, não só o fogo é eterno, mas o sofrimento também.

E como sabemos, fogo eterno é extraído de Mateus 18: 8 e 25: 41 por Judas. Logo, Judas não traria um conceito diferente do Senhor. Veja bem, Sodoma e Gomorra, como visto acima, foram dizimadas em instantes pelo fogo, o que não corresponde a ideia que Jesus propôs sobre o fogo eterno, em que, nesse lugar, até chorarão dentro fogo, algo impossível numa lógica natural, já que, em chamas, morremos em segundos:

"Se a tua mão ou o teu pé te serve de pedra de tropeço, corta-o e lança-o de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno. Se o teu olho te serve de pedra de tropeço, arranca-o e lança-o de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos do que, tendo dois, seres lançado na Geena de fogo". Mateus 18:8-9 TB

"Assim será no fim do mundo: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá o choro e o ranger de dentes". Mateus 13:49-50 TB

O mais interessante é que no próprio capítulo 18 de Mateus, há esta comparação:

"mas quem puser uma pedra de tropeço no caminho de um destes pequeninos que creem em mim, melhor seria que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho e que fosse lançado no fundo do mar". Mateus 18:6 TB

Bem, eu não sei qual morte é mais horrenda, se é ser incinerado pelo fogo, como ocorreu com Sodoma e  Gomorra, ou morrer afogado com uma pedra no pescoço. Mas acredito que a morte, perto do fogo eterno, é um lucro nas palavras de Jesus. Na hipótese aniquilacionista, ficaria completamente sem sentido, pois de qualquer forma a pessoa seria apenas morta, assim como o caso de alguém que se afunda com a pedra no pescoço.

A interpretação e a tradução majoritárias

A maioria dos irmãos que acreditam no tormento eterno apoia fortemente a seguinte tradução de Judas 1:7:

"Assim como Sodoma, Gomorra e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se corrompido como aqueles e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno." (ARC)

Para eles, no momento em que Judas escreveu esta carta, essas cidades ainda estariam sofrendo a pena do fogo eterno, que, neste contexto, seria identificado com o fogo do Hades (Lucas 16:24). Essa interpretação se baseia no uso dos termos, que estariam no tempo presente e indicariam uma ação contínua, supostamente em andamento à época em que a epístola foi escrita, conforme sugerido pela gramática grega, o que já seria também outro problema aniquilacionista, que argumenta o castigo ser algo já ocorrido.

No entanto, esse argumento de nossos irmãos que ligam com Lucas 16:24 enfrenta um problema significativo: a expressão "fogo eterno" é utilizada exclusivamente em outras partes da Bíblia para se referir ao fogo do juízo final (como em Mateus 18:8 e 25:41). Outro ponto crucial é que o fogo do Hades, segundo as Escrituras, não é eterno, mas temporário, durando apenas até o dia do juízo.

Portanto, vejo dificuldades tanto na posição aniquilacionista, que argumenta que essas cidades foram destruídas de forma irreversível, mas que serão ressuscitadas para uma nova destruição no juízo, quanto na visão daqueles que creem que essas cidades estão atualmente sofrendo o "fogo eterno" no Hades/Sheol.

Fogo eterno no Novo Testamento como uma promessa futura e o entendimento que mais está de acordo com o contexto geral

É verdade que Judas 7 é um texto complicado de entender, mas não podemos divorciá-lo do contexto geral e verificarmos também as traduções que se alinham com todas as Escrituras.

Agora observemos como a Almeida Revista e Atualizada (ARA) traduz:

"como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição". Judas 1:7 ARA

Note que a ARA segue quase à risca o texto ORIGINAL em sua estrutura:

ὡς (como) Σόδομα (Sodoma) καὶ (e) Γόμορρα (Gomorra) καὶ (e) αἱ (as) περὶ (ao redor de) αὐτὰς (elas) πόλεις (cidades), τὸν (de modo) ὅμοιον (semelhante) τρόπον (maneira) τούτοις (a estes) ἐκπορνεύσασαι (tendo se entregue à prostituição) καὶ (e) ἀπελθοῦσαι (tendo ido) ὀπίσω (atrás de) σαρκὸς (carne) ἑτέρας (diferente), πρόκεινται (estão expostas) δεῖγμα (como exemplo) πυρὸς (de fogo) αἰωνίου (eterno) δίκην (punição) ὑπέχουσαι (sofrendo).

Além disso, mesmo optando pela tradução mais conhecida, em suas notas de rodapé, várias Bíblias também sugerem traduções com ordem idêntica a da ARA, como a ASVNASBNASB 1995 e LSB.

Mas em que sentido Sodoma e Gomorra são "postas como exemplo do fogo eterno"? A resposta é encontrada na continuação do versículo: "sofrendo punição" e em 2 Pedro 2:6: "são ordenadas à ruína completa". Isso significa que, assim como essas cidades sofrem punição e são condenadas à ruína total por causa de seus pecados, ocorrerá da mesma forma com os ímpios no fogo eterno.

 Bengel, grande comentarista bíblico, declara: "a punição que elas suportam é um exemplo do fogo eterno, como diz Cassiodoro: pois a punição dessas cidades não é eterna em si mesma: Ezequiel 16:53 ; Ezequiel 16:55 . Comp. 2 Pedro 2:6."

Aliás, o próprio contexto de Judas 1:7 aponta para exemplos do passado, de pessoas e seres que pecaram e foram severamente punidos por seus pecados, servindo de advertência para nós:

"Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram; e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia." (Judas 1:5-6 ARA)

Um exemplo mais didático ainda é o versículo 11: Judas 1:11 (ARA):

"Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá."

Nenhum aniquilacionista dirá que esses falsos mestres mataram Abel junto com Caim, erraram junto com Balaão ou morreram no tempo de Corá. O que se quer dizer é que seus erros atuais relembram os erros cometidos por essas pessoas. Da mesma forma, o conceito de "sofrendo punição" explica como as cidades de Sodoma e Gomorra são apresentadas como exemplo do fogo eterno. Ou seja, elas são punidas, e assim também haverá punição no fogo eterno para os rebeldes.

 O Comentário do NT de Meyer traz uma nota muito importante em questão de tradução, ao afirmar que elas não sofreram a pena do fogo eterno:

"O genitivo πυρὸς αἰωνίου [fogo eterno] pode depender gramaticalmente tanto de δεῖγμα [exemplo] quanto de δίκην [punição].

 A maioria dos expositores (particularmente Wiesinger, Schott, Brückner) considera a segunda construção como a correta; mas dificilmente com razão; como (1) δεῖγμα perderia então sua definição exata; (2) πῦρ αἰώνιον sempre designa o fogo do inferno, ao qual os condenados são entregues no último julgamento (ver Mateus 25:41 ); (3) a justaposição deste versículo com Judas 1:6 , onde a presente condição punitiva dos anjos se distingue daquela que ocorrerá após o julgamento, favorece a ideia de que as cidades (ou melhor, seus habitantes) não são aqui designadas como aqueles que ainda agora sofrem o castigo do fogo eterno.[23] Mas Judas poderia designar as cidades como um δεῖγμα do fogo eterno, considerando o fogo pelo qual foram destruídos como figura do fogo eterno."

O comentário de Meyer faz uma análise interessante sobre o uso do termo "fogo eterno" em Judas 1:7, argumentando que ele pode se referir tanto a "exemplo" quanto a "punição". Muitos estudiosos preferem a ideia de que o "fogo eterno" está ligado à punição, mas Meyer defende que essa interpretação enfraquece o significado preciso de "exemplo", pois o "fogo eterno" está relacionado ao juízo final, como vemos em Mateus 25:41.

Essa linha de pensamento é reforçada pelas palavras de Jesus em Mateus 25:41, onde Ele afirma que o "fogo eterno" foi preparado para o diabo e seus anjos, em contraste com o Reino que também  está preparado para os justos (Mateus 25:34). Isso nos dá a entender que o "fogo eterno", assim como o Reino vindouro, ainda não foi inaugurado, mas será um lugar de punição no juízo final. Quando Jesus menciona a Geena (inferno) em Mateus 18:9-10, Ele está apontando para esse juízo final, o que reforça a ideia de que o "fogo eterno" é um símbolo do juízo que virá e não uma punição presente ou passada. 

Aliás, todos os casos em que o Novo Testamento menciona fogo eterno, fogo inextinguível ou fogo que não se apaga referem-se sempre ao fogo do juízo final (Mt 3:12, Mt 5:22, Mt 13:40-42, Mt 18:8-9, Mt 25:41, Mc 9:43-48, Lc 3:17). Seguindo essa lógica inconsistente, apenas Judas 7, que inclusive faz uso dos mesmos exemplos de Jesus, seria uma exceção.

A recente tradução luterana Versão da Herança Evangélica (EHV) também segue a mesma linha de raciocínio, interpretando o fogo eterno como uma referência ao juízo, e não algo que ocorreu ou que esteja ocorrendo:

"Assim como Sodoma e Gomorra e as cidades vizinhas, que de maneira semelhante se entregaram à extrema imoralidade sexual e perseguiram a perversão homossexual, [d] elas servem de exemplo para aqueles que sofrerão o castigo do fogo eterno". (Judas 7-EHV).

E a famosa Bíblia Judaica Completa, do judeu messiânico David H. Stern, também segue o mesmo padrão, parafraseando da seguinte forma:

"E S'dom, 'Amora e as cidades vizinhas, seguindo um padrão como o deles, cometendo pecados sexuais e perversões, estão expostas como um aviso do fogo eterno que aguarda aqueles que devem passar por punição." (Bíblia Judaica Completa - CJB)

Mas e o tempo presente?

Mas alguém poderia sugerir: "Mas como fica o tempo presente em Judas 7 no grego? Mesmo que entendemos que o exemplo está em sofrer punição, Judas sugere que elas estão atualmente sofrendo."

No texto de Judas 1:7, as expressões πρόκεινται ("estão colocadas") e ὑπέχουσαι ("sofrendo punição") estão no tempo presente. O verbo πρόκεινται indica que Sodoma, Gomorra e as cidades ao redor ainda estão postas como um exemplo visível de punição, ou seja, continuam sendo apresentadas como testemunhos atuais de juízo divino. O particípio ὑπέχουσαι descreve que essas cidades ainda estão sofrendo a pena, ou seja, o juízo não seria apenas passado, mas um estado contínuo de condenação.

 E um pouco de referência cruzadas podem ajudar muito nisso: 

"E toda a sua terra abrasada com enxofre e sal, de sorte que não será semeada, e nada produzirá, nem nela crescerá erva alguma, assim como foi a destruição de Sodoma e de Gomorra, de Admá e de Zeboim, que o Senhor destruiu na sua ira e no seu furor;" Deuteronômio 29:23 ARC

Por incrível que pareça, está mesma cena de uma terra punidas e abrasada por enxofre e sal é vista até os dias de hoje, ou seja, cerca de 3,5 mil anos depois. Ou seja, as cidades ainda sofrem punição. Elas, por ainda serem penalizadas pelos efeitos do castigo divino milênios depois, são, portanto, uma figura perfeita de inferno na terra. 

"Alguns dos melhores expositores modernos traduzem como 'são apresentadas como exemplo do fogo eterno, sofrendo punição'. Esse significado parece, no geral, mais natural, embora a construção grega favoreça os outros, já que 'fogo eterno' é o termo constante para os finalmente condenados no juízo final, e dificilmente poderia ser corretamente dito de Sodoma e Gomorra. Essas cidades são, na verdade, um exemplo do fogo eterno. 'Uma destruição tão completa e tão permanente como a delas tem sido é a aproximação mais próxima que se pode encontrar neste mundo da destruição que espera aqueles que estão guardados em trevas para o juízo do grande dia' (Lumby).

Suffering (ὑπέχουσαι). Apenas aqui no Novo Testamento. O particípio está no presente, indicando que elas estão sofrendo até hoje a punição que veio sobre elas no tempo de Ló. O verbo significa, literalmente, 'sustentar por baixo'; daí, 'suportar' ou 'aguentar', e assim 'sofrer' ou 'submeter-se'. (Estudo de Palavras de Vicent)

 Em resumo, toda a Escritura deve se harmonizar. Enquanto os ímpios e o diabo experimentam "pranto e ranger de dentes" (Mt 8:12, 13:50), sendo "atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos" (Ap 14,9,10 e 20:10) e permanecendo ali "para sempre" (Jd 13), as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas de forma repentina (Lm 4:6). É, portanto, mais provável que o "exemplo" mencionado se refira à punição, e não à penalização com o fogo eterno. Isso porque o fogo eterno é sempre associado ao juízo final nas Escrituras, além é claro que o fogo que destruiu essas cidades não ter sido eterno nem em duração muito menos em consequências.

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